Anaïs Nin é conhecida por sua literatura erótica. A escritora francesa se consagrou no mundo das Letras por trazer à baila um tema tão polêmico quanto popular, e se consolidou no cânone universal ao dar à sensualidade e ao erotismo um tratamento tão liberal quanto literariamente belo e complexo.

A coleção 64 páginas, da editora L&PM, dedicou um de seus volumes aos contos de Nin, A fugitiva. O livro traz três contos, O basco e Bijou, Manuel e A fugitiva, que, apesar da brevidade, exploram características emblemáticas da literatura da escritora, seja quando se trata da sensualidade, seja quando se trata da elaboração artística e sensitiva em torno desse mesmo tema.

As histórias são simples, as narrativas de Anaïs Nin não prezam pela complexidade de trama ou enredo, seus objetivos se aproximam muito mais da exploração sensível e emocional das relações amorosas. Essas relações, antes de reduzidas aos seus aspectos carnais, são experiências complexas e muito intensas, que envolvem emoção e consciência em medidas variáveis. A escritora francesa gosta de explorar a constituição existencial dos sujeitos em suas facetas sexuais, seus comportamentos de alcova, não como se tratasse de uma ciência ou de um ato mecânico, mas sim de uma verdadeira experiência sensorial em diversos níveis e nuances.

O primeiro – e maior – conto é O basco e Bijou. A história começa com a chegada do basco a um bordel, buscando os préstimos das cortesãs que lá trabalhavam. Num verdadeiro exercício de análise, a encarregada da casa explora a constituição sexual do basco para que possa lhe indicar a vivandeira que melhor contemplará seus apetites amorosos. Ao mesmo tempo, Nin descreve a ciência que existe por detrás da avaliação da diretora do bordel quando o assunto é a interpretação das aptidões sexuais de cada sujeito que adentra o lugar.

Numa das visitas ao local é que basco conhece Bijou, numa situação nada convencional, ao passo que a retira de sua vida de cortesã para poder dela desfrutar segundo suas próprias vontades. A esse evento segue-se uma história também pouquíssimo convencional, em que o basco se nega a satisfazer Bijou, limitando-se a deixá-la à beira do orgasmo, estudando-a ao mesmo tempo próximo e distante. A natureza de suas relações se modifica na medida em que outros personagens vão se juntando à trama e ao passo que as experiências sexuais de ambos – com toda a sua variabilidade e estranheza – vão recheando o leque de fantasias eróticas que Anaïs Nin se dá a explorar. Entrelaçam-se toda uma história de vida e uma obsessão, reveladas num frenesi voluptuoso e incomum.

O conto que se segue é intitulado Manuel. Manuel é dono de preferências sexuais bastante pitorescas e igualmente ortodoxas. Sua satisfação provém não do ato sexual no sentido convencional, mas de uma antecipação provocante que não se realiza. Apesar das peculiaridades de alcova, ele consegue descobrir uma parceria disposta a satisfazê-lo por seus meios, que, aliás, são também os dela. Uma história que explora a consumação do ato carnal como “mera” etapa do processo, não obrigatória, como sugere o desenrolar da relação de Manuel.

O terceiro e último conto é A fugitiva, e conta a história de Jeanette, uma garota de dezesseis anos que, tendo fugido de casa, passa a morar com Pierre e Jean, dois amigos que dividem uma moradia. A escritora explora a natureza das relações entre os três não como um triângulo amoroso no sentido clássico, mas como um arranjo tão controverso de reverberações “lolíticas”. A inocência da criança, ressignificada pelos expedientes nos quais ela vem à tona, se mescla com a sexualidade vibrante de sua puberdade, deixando em fogo Pierre e Jean. Sentimentos dos mais diversos são redimensionados pela relação matizada de infantilidade e lubricidade que os une, uma mistura tão explosiva quanto fecunda, que Anaïs Nin explora com ousadia e pouco – ou nenhum – recato.

Mais do que “simples” erotismo, os contos de A fugitiva exploram a complexidade das variadas dimensões do ato sexual. A conjunção de elementos afetivos, carnais, pecaminosos, sublimes, orgânicos e sentimentais que pulula debaixo de cada descrição tão provocante quanto bela mostra como a sexualidade é parte fundamental da constituição do ser humano. Anaïs Nin, nesse sentido, a aborda com um certo lirismo alimentado por uma constatação crua sem ser vulgar, que vê na voluptuosidade não só uma experiência única, como também um prolífico tema literário.