Antes de tudo, queria deixar claro: eu não li O alienista. Na verdade, conheci Machado de Assis aos 16 anos depois de ler Dom Casmurro. Não foi tarefa tão árdua: venho de uma família que sempre me estimulou a ler e analisei a obra com um dos professores mais inspiradores que já tive na vida, o Adriano de Almeida.
Me apaixonei por Capitu. Quem nunca? E, impressionável que sou, lembro até hoje da incredulidade com a qual ouvi o comentário mais esdrúxulo de um colega a respeito da personagem: “Fala sério, Adriano, essa Capitu é mó putinha vai”.
Pois bem, a despeito da vergonha alheia, foi quando percebi que o Machado tinha receptores totalmente diferentes entre o alunato, independente de todos frequentarmos o mesmo colégio paz-e-amor-construtivista.
Tão logo li a respeito da polêmica de Patricia Secco, a escritora que deseja adaptar O alienista, de Machado, para veicular 600 mil exemplares da versão de graça entre leitores sem recursos, me lembrei dessa história.
Me lembrei dessa história porque foi quando me dei conta, à época, que cada pessoa tem um entendimento próprio das narrativas, e que essa percepção muda de acordo com as suas referências, com os arcabouços teóricos do leitor e em decorrência de cada experiência de vida, inclusive. Parece óbvio, né? Então, depois das discussões que vi a respeito nas redes sociais, já não sei mais.
Entendo que os acadêmicos e leitores ávidos (serão tão ávidos?) de Machado queiram que a sua obra seja tratada com respeito. Eu também quero. Mas a proposta de Patricia Secco não irá alterar o original, mas tão somente adaptá-lo.
Pelo que disse à Folha, a escritora quer mudar palavras da narrativa para torná-la mais fluida ao leitor, mais fácil. “Tapar o sol com a peneira”, “Nivelamento por baixo”, “Ensina a usar um dicionário”, foram os comentários mais frequentes da web.
Eu entendo que as pessoas prefiram que um adolescente, por exemplo, tenha uma educação tão boa no Brasil a ponto de conseguir ler um clássico do século XIX, em vez de lhe estenderem uma versão adaptada. É o que diz a petição do Avaaz contra a nova versão: “Ampliar o acesso do jovem à cultura deveria representar a ampliação de seu vocabulário, e não a alteração de termos utilizados por um autor.” E eu concordo. Mas esse desejo ainda não condiz com a realidade. Assim sendo, será tão ruim tentar democratizar o acesso à leitura e ao escritor talvez mais cobiçado do país? Colocar notas de rodapé, como os assinantes da petição sugerem, continuará deixando o livro inacessível, porque interrompe – ainda mais – o fluxo da leitura.
Por fim, creio que a ideia de Patricia Secco seja apenas uma alternativa para quem não consegue ler o texto na íntegra – por quaisquer motivos – algo que, se bem feito e sinalizado enquanto um livro adaptado, não deveria provocar tanta histeria. Pensem, os que são contra: se essa adaptação permitir que 10 pessoas, que sejam, das 600 mil, venham um dia a ler Machado no original, sem dúvida já teremos um ganho.
Boa, Maria!
Eu achei tão sem sentido essa polêmica toda, porque faz anos que existem adaptações de clássicos sendo distribuídas nas escolas – deixando o texto mais acessível ou então mudando o formato, como os quadrinhos – e só agora o pessoal vem dizer que acha isso horrível. Eu mesma lembro que entre as minhas primeiras leituras estava um clássico adaptado, eu tinha 12 anos e distribuíram na sala uma versão adaptada e MUITO resumida de Os miseráveis. E simplesmente amei na época, nunca teria conhecido a história se não fosse aquele livrinho (e to ainda namorando a edição completa para ler ela logo).
Por mais que um leitor de 20 e poucos anos com algumas leituras na bagagem consiga ler tranquilamente e entender um livro do século XIX, isso não quer dizer que será igualmente fácil pra um aluno de 14, 15 anos. Sim, acho que ele deve ter contato com essas histórias, mas como já muito se diz, enfiar uma linguagem daquelas goela abaixo de um bando de adolescente vai mais atrapalhar do que contribuir com a formação de um leitor.
Algumas considerações:
1) Quem não gosta de ler, quem não tem interesse pela leitura, com certeza não vai cair nessa proposta;
2) Um dos autores nacionais mais mencionados por leitores brasileiros é justamente Machado de Assis. Então, eu me pergunto, “será que é tão difícil assim o vocabulário machadiano?”;
3) A proposta dela parece não ser uma modificação radical, mas é, pois modifica a própria linguagem e estilo do autor. O uso de palavras e expressões é tanto fruto do momento quanto uma decisão autoral. Assim, deixamos de ter um Machado integral para ter uma “sombra”; e
4) As capas das obras não indicam que o texto foi alterado. Sendo a obra domínio público, ela pode fazer o que quiser com ela. Contudo, espero que ela corrija esse erro.
Um adendo: sobre as notas de rodapé, acho que nem Nabokov e nem DFW concordariam com você. 😀
2) Deve estar no Top 10 de livros que as pessoas mentem que leram.
Bom, não dá pra verificar isso com certeza, né?
já ia mencionar isso. 🙂
É com problemas assim que a gente percebe como uma Educação deficitária reverbera em níveis tão diversos.
É um assunto é muito complexo, e posso dar um exemplo de um paralelo que encontrei um dia desses: trata-se da adaptação em quadrinhos de Casa Grande& Senzala. Claro que há a diferença de não se tratar de uma obra literária e que seu quadrinho ser, confessamente, uma adaptação. Mas podemos nos perguntar o que “Se perde”, se é que se perde, numa ação dessa?
Não acho que Machado, ou qualquer outro autor(a) brasileiro(a), seja intocável, nem mesmo obrigatório.
Acho, contudo,que perde muito quem os ignora.
O problema nesse caso é a justificativa da “democratização”, que sem dúvida é louvável, na teoria, mas algumas vezes, na prática, fica vazia de maiores significados. Até que ponto essa pretensa “adaptação” faz mais mal do que bem? Nesse caso, concordo com o amigo Bruce. Por mais que “democratizar” Machado pareca bom, parece mais válido ainda investir numa analise da obra adaptada mais coerente com a leitura dos pequenos.
A Editora Moderna faz, há anos, edições explicativas muito importantes e úteis obras obrigatórias ao ensino médio, vide seu O Cortiço, que estou lendo nesse momento, inclusive.
Num ato como o que pretende a senhora Patricia, parece-me que a grande perda é do componente temporal. Esquece-se que as palavras importam, e não só a trama. Parece-me uma redução utilitarista, a que Machado não merece – muito menos seus leitores.
“a proposta de Patricia Secco não irá alterar o original, mas tão somente adaptá-lo.” Preciso que alguém faça uma adaptação dessa afirmação, pois não a entendi.
Hahaha. Creio que ela quis dizer que o original sempre será o original. O texto da Secco é uma adaptação, mas o original sempre existirá. Ou seja, você terá acesso tanto ao original machadiano quanto à adaptação.
É difícil quando queremos escrever uma coisa e não conseguimos nos expressar direito. Acabamos cometendo uma imprecisão como essa. Isso que dá ler só adaptação.