Week-end na Guatemala é um livro escrito em 1956 pelo guatemalteco Miguel Angel Astúrias, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1967. A obra é formada por oito contos, com personagens e tramas diferentes e que são independentes uns dos outros.

Para compreender o livro é preciso levar em consideração o contexto histórico em que Astúrias viveu e no qual a Guatemala estava inserida. Depois de diversos governos autoritários e conservadores, em 1944, uma junta comandada por Arévalo e Arbenz consegue subir ao poder, derrubando o general Jorge Ubico, que estava no poder desde 1931. Esse processo é chamado por alguns autores de Revolução de Outubro de 44, em referência a revolução Soviética.

Os governos de Arévalo e posteriormente o de Arbenz iniciaram uma série de mudanças de cunho democrático na Guatemala, sendo também nacionalistas e antiimperialistas, que visavam combater a miséria e a intervenção do capital monopolista da United Fruit Company, corporação que explorava o comércio de frutas no país, chamada de La Frutera por Astúrias.

Astúrias já havia escrito um livro criticando a ditadura de Manuel Estrada Cabrera, que havia governado a Guatemala anos antes de Ubico, O senhor presidente (1946), considerada até hoje como uma de suas maiores obras.

O primeiro conto é o que dá nome ao livro, Week-end na Guatemala, em que nos deparamos com o sargento estrangeiro Peter Harkins, que bebe em um bar antes de seguir para o cumprimento de uma missão: pegar as armas que seriam jogadas de pára-quedas no território guatemalteco para fomentar tropas mercenárias.

Porém, ébrio, o sargento atropela uma jovem universitária, ou teria sido apenas uma alucinação causada pelo efeito do álcool? Fato é que as armas recolhidas e colocadas na carroceria da camionete não estão mais lá quando o sargento Harkins chega ao quartel general. O que pode ter acontecido? Seria a alma da jovem? Um descuido de bêbado? Astúrias explica o mistério mostrando a tenaz resistência guatemalteca.

O segundo conto, Americanos, todos!, conta a história de um guia turístico, muito querido pelos norte-americanos que inundam os pontos turísticos do país, que vê seu companheiro de trabalho morrer soterrado pelos escombros de um ataque militar.

Transtornado e revoltado pelo menosprezo “superior” dos turistas em relação aos “nativos”, o guia turístico toma uma decisão drástica, recurso último do oprimido, arriscando a própria vida para cumprir sua missão.

Astúrias compara os guatemaltecos aos vulcões adormecidos do país: aparentemente inofensivos, mas guardam uma torrente de força e insubmissão pronta para vir a tona de forma impetuosa e explosiva.

Em Ocelotle 33, é retratada a ocupação estrangeira e o terror que ela impunha trazendo mercenários de toda a América Latina, financiados por capital estrangeiro que dão poderes extraordinários ao exército.

O povo guatemalteco, oprimido pela proeminência militar se vê privado de seus direitos e até mesmo de sua dignidade e é obrigado a submeter-se a tarefas e obrigações desagradáveis para sobreviver.

A ameaça de bombardeamento, redimensionada a proporções apocalípticas pós-Hiroshima e Nagasaki, faz a tensão ser constante, e a iminência da tragédia e da fatalidade se constituem na força da população.

A Gala, o quarto conto do livro, retrata um grupo de guatemaltecos que se une em comunidade para solidariamente ajudarem-se e poderem vencer a penúria em que viviam. Um jornalista estrangeiro (de língua inglesa) vem entrevistar o líder desse grupo, conduzindo todas as perguntas para poder rotulá-lo de comunista, alegando que o modo de vida comunitário dessas pessoas, de emprestarem-se comida e ferramentas, era um modo de vida comunista.

O passado pré-colombiano, povoado de lendas (Astúrias escreveu em 1930 o livro Leyendas de Guatemala e traduziu o Popol Vuh, obra fundamental da cultura maia) é mostrado nas práticas cotidianas, costumes, tradições e crenças desse povo, que resistem muitas vezes silenciosamente aos mandos e desmandos estrangeiros.

O rótulo de comunista encampa o conflito dos “hemisférios ideológicos” da Guerra Fria, justifica as acusações, já que no pretensa missão de defender a ordem e a estabilidade as “desculpas” são “flexíveis”; e potencializa a ação das tropas mercenárias.

O quinto conto do livro é intitulado O Boizão e retrata a luta pelas terras, uma constante reivindicação nas lutas camponesas tão recorrentes do cenário latino-americana dessa época e também de todo o período que sucede à chegada dos espanhóis. Porém, a relação que os “nativos” tem com a terra é mais profunda do que a mera produção econômica, e faz parte dos próprios ritos e crenças dos antepassados maias em suas ricas lendas e cultura, temática estudada por Astúrias ao traduzir o Popol Vuh ou ao reunir histórias da mitologia quiché em Leyendas da Guatemala (1930).

A exploração da Frutera ignora essa relação dos homens com a terra e as tira cruelmente para servir a seus interesses econômicos, monopolizando a economia guatemalteca e gerando graves desdobramentos para as populações, alijadas do espaço necessário para a subsistência e que não raro se indignam e oferecem resistência, prontamente reprimida pelo longo braço norte-americano.

Cadáveres para a publicidade é, ao lado de Torotumbo, meu conto predileto do livro em questão. Astúrias consegue explorar nele o drama das populações guatemaltecas frente aos desdobramentos da monopolização econômica e as conseqüências políticas ditatoriais, agravadas pela Guerra Fria. Nesse conto o autor explora o absurdo das campanhas de desmoralização da oposição “vermelha”, onde cadáveres são reunidos, “produzidos” e exumados para a publicidade do governo, que quer associá-los a atuação dos pretensos “vermelhos”.

Nesse mórbido anseio de conseguir cadáveres, o governo começa uma macabra coleta de corpos, perseguindo e eliminando “inimigos” ao menor sinal de resistência. Mães e velhas oferecem suas vidas no lugar de seus maridos e filhos, enquanto viúvas, tendo seus maridos desenterrados, são obrigadas a lutar com paus e pedras contra urubus pela posse dos cadáveres semi-decompostos. Tudo isso passando pelos olhos da imprensa internacional, criticada por Astúrias pelo seu sensacionalismo de condenação da oposição.

No conto Os agrários a relação dos eventos da Guatemala dentro do cenário geopolítico da Guerra Fria fica mais clara.

Para justificar suas ações interventoras e imperialistas, além de angariar o apoio (ou a vista grossa) de organismo internacionais, os Estados Unidos imputam “subversão vermelha” em cada ato de resistência da população ou a cada revolta contra a penúria em que viviam, como se o pretenso comunismo fosse um câncer a ser extirpado do corpo guatemalteco, como fica expresso no seguinte trecho:

Ninguém, ao ver o signo da morte, num frasco de veneno, vai averiguar se o conteúdo é em verdade mortal, aceita o que com aquela caveira e as duas tíbias apresenta-se-lhe como um risco gravíssimo a sua vida…e isso foi o que a nossa publicidade fez com a palavra comunismo (…) (p. 75)

Tudo isso visto pelos olhos de uma estudante universitária, Corália Agromayor, que ao ver seu país invadido, é acometida por uma cegueira.

Em Torotumbo, conhecemos Estanislau, dono de uma loja de fantasias, que ao tentar abusar da pequena Natividade Quintuche, se exaspera e acaba por mata-la. Para livrar-se da culpa, atira a fantasia de um diabo vermelho, o Diabo Carne Crua sobre a menina e diz que foi o tinhoso que a matou enquanto tentava possuí-la.

Seu vizinho Tizonelli, um italiano envolvido com grupos secretos de revolucionários e oposicionistas presencia tudo e ameaça contar a verdade sobre a morte de Quintuche, exigindo que Estanislau, membro de um comitê de investigação de atividades comunistas, lhe passe informações sobre seus relatórios de pessoas que devem ser mantidas sob observação.

Quando autoridades resolvem fazer um auto de fé com o Diabo Carne Crua (com quem Estanislau mantém conversas dignas de Mefistófeles e Fausto), para exortar a anti-comunismo que a queima de um diabo de cor vermelha simbolizaria, Tizonelli decide que a ação de seu grupo já tem lugar e hora.

Enquanto isso as pessoas próximas, parentes e das vizinhanças de Natividade Quintuche dançam o Torotumbo, uma celebração popular, como forma de ritos fúnebres para a criança.

Na cabeça do Diabo Carne Crua, Tizonelli arranja um jeito de plantar um explosivo, que matará todas as autoridades e anti-comunistas que lá estiverem para o auto de fé macarthista.

O som da explosão se mistura aos estrondos do povo dançando o Torotumbo, e Astúrias fecha esse painel da resistência que é guatemalteca mas que traduz os anseios mais abrangentes da América Latina, que tanto sofreu e foi violada (Natividade Quintuche sirva talvez de metáfora dessa situação) durante tantos anos.

ASTÚRIAS, Miguel Ángel. Week-end na Guatemala. São Paulo: Expressão Popular, 2002.