Os kibutzim são comunidades agrícolas coletivas existentes em Israel. Apesar de hoje sua importância ter diminuído, são históricamente essenciais para existência da jovem nação-estado judaica: foram a base de sua economia nas suas primeiras décadas de vida, mesmo antes de ser um país reconhecido, ainda nos tempos do Mandato Britânico da Palestina.

Mas a importância dos kibutzim em Israel não se resume à economia. Foram ainda importante força motriz ideológica, não só sinalizando para os judeus do mundo que Israel seria sua pátria, onde encontrariam a igualdade e a fraternidade, mas também agindo como força de transformação do deserto árido e sem vida em terras férteis e civilizadas.

E isso é parte da bela metáfora criada por Amós Oz em ‘Uma certa paz‘. Ionatan Lifschitz é filho de Iulek, o secretário do kibutz Granot, e Chava, que anos atrás teve um caso com um imigrante russo que teria terminado em tragédia, não fosse a péssima pontaria de seu amante (capaz de errar um tiro em um touro a um metro e meio de distância). Casado com a bela e indiferente Rimona, Ionatan está cansado do kibutz, está cansado dessa vida fértil e pacífica em que todos lhe dizem o que fazer, quando fazer e como fazer. Algo lhe chama e ele precisa ir, antes que seja tarde.

Enquanto Ionatan luta com sua decisão, protelando sua saída, chega à Granot um jovem voluntário, Azaria Guitlin, que esconde algo de terrivelmente doloroso em seu passado, mas que esbanja verborragia e ideais políticos, além da filosofia de Baruch Espinosa.

As vidas de Azaria e Ionatan entrelaçam-se e, apesar de tomarem caminhos opostos, buscam pela mesma coisa- a busca de algo próximo da felicidade, ou, pelo menos, de diminuir a aridez da existência humana. Enquanto isso, fora do kibutz, a tensão cresce- o que resultaria na Guerra dos Seis Dias.

Oz nos traz essa história contada a partir da perspectiva de diversas personagens: não apenas Ionatan, Azaria e Rimona, mas também Chava, Iulek e até mesmo Srulik- o músico e contador do kibutz, que acaba por substituir Iulek em sua função de secretário. Isso não só permite que enxerguemos a situação por várias e diversas perspectivas, mas também desenvolve a profundidade de outros personagens que não os principais, sendo que até mesmo o primeiro-ministro de Israel na época dos fatos narrados, Eshkol, aparece.

‘Uma certa paz’, publicado originalmente em 1982, recém-lançado no Brasil pela Companhia das Letras, é uma das peças  essenciais da bibliografia de Oz. Não apenas por ser um de seus livros mais compridos ou por suas qualidades literárias. O fato de o próprio autor ter vivido em um kibutz por mais de trinta anos e ter lutado na Guerra dos Seis Dias faz com essa o livro ajude o leitor a ter uma compreensão de sua obra como um todo.

OZ, Amós. Uma Certa Paz. Companhia das Letras. Tradução: Paul Geiser. 400 págs. Preço sugerido: R$ 51,00

Saiba mais sobre essa e outras obras no site da Companhia das Letras

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