Durante dias e algumas semanas eu fiquei pensando no que colocar na minha coluna de estreia aqui no Meia Palavra. Ideias e mais ideias anotadas nos lugares mais bizarros, tudo pra tentar fazer um bom texto de apresentação, porque, afinal, essa é a oportunidade de mostrar um pouquinho da cara de cada autor que faz parte do blog. Ironicamente, Anos-Luz depois de uma parte da equipe ter feito sua coluna, chegou a minha vez.

O objetivo aqui é falar sobre epifanias que acontecem algum tempo depois de você ler, ouvir ou ver algum livro, música ou filme. “A arte altera a percepção” já diria Alguém ((alguém que eu não lembro e não encontro fonte segura em lugar nenhum)) e, através dela, a realidade ganha uma nova forma, por vezes até com uma certa ironia ou humor escondido, ou, em extremos, até um pouco de drama a mais.

Quer um exemplo? Anos-luz depois de ter assistido o aclamado filme “O Discurso do Rei”, você está lá na sua sala de TV (infelizmente, já que não foi convidado pra cerimônia do Oscar) e assiste Colin Firth ganhar a estatueta de melhor ator. Pra quem não viu o filme, seus agradecimentos passariam batidos, mas não pra você, que se deleitou ao ver o ator gaguejar em seu discurso.

É claro que talvez nada disso faça sentido. Há quem diga que eu sou a excêntrica aqui do blog, aquela que veio para perturbar a paz e a ordem do Meia Palavra, sem falar do senso de humor duvidoso. E então, mesmo depois de ter anotado e questionado tantas vezes sobre o assunto a falar na primeira coluna, vou acabar caindo em um dos meus prediletos e o que eu acho que tem mais haver com meu estilo e com esse espaço mesmo (justamente pela excentricidade e senso de humor questionável): Douglas Adams, que escreveu O Guia do Mochileiro das Galáxias e, em sua escrita, usava a ironia e humor para questionar o sentido das coisas. De longe, meu autor-nerd favorito.

Após ter lido a saga do Guia, eu ainda carrego um trecho do livro “A Vida, o Universo e Tudo o Mais” na minha cabeça:

Um POP é alguma coisa que não podemos ver, ou não vemos, ou nosso cérebro não nos deixa ver porque pensamos que é um problema de outra pessoa. É isso que POP quer dizer: Problema de Outra Pessoa. O cérebro simplesmente o apaga, como um ponto cego. Se você olhar diretamente para ele, não verá nada, a menos que saiba exatamente o que é.

Segundo o autor, é possível criar um Campo de Invisiblidade somente com a ajuda de uma bateria simples. Isso porque as pessoas já estão condicionadas a não verem o que não é problema delas a não ser que elas saibam exatamente o que é.  “Agora podiam ver nitidamente a nave simplesmente porque sabiam que estava lá. Era óbvio, contudo, que ninguém mais a via”

E então, Anos-Luz depois de ter passado por esse trecho, eu me deparo com situações em que as pessoas ignoram totalmente a existência de um problema, objeto ou situação e não mais fico revoltada e inconformada com o egoísmo da humanidade.

“Trata-se apenas de um POP.”

Douglas Adams me fez perceber que o mundo é estruturado em Campos de Invisibilidade abastecidos pelo princípio do “Problema de Outra Pesssoa”. Vocês todos já devem ter se deparado com um também.

Até 1770, a Austrália estava envolta em um POP e até 1500 erámos nós que estávamos nesse Campo. Então, respectivamente,  Capitão James Cook e Pedro Álvares Cabral, que já sabiam exatamente que iam encontrar terras, falaram sobre nossa existência e então todos passaram a nos ver.

Ok, talvez em uma proporção menor, quando eu almoço num certo restaurante vagabundo, os garçons não conseguem ver meu prato de comida claramente frio, bagunçado e mau-servido.

E assim guerras, almoços, continentes, civilizações e relacionamentos passam desapercebidos por toda a humanidade sem deixar rastros e, até mesmo Anos-luz depois de terem acontecido, ainda não serão percebidos por ninguém.

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