Esse livro, do gaúcho Scliar, conseguiu uma coisa rara para livros publicados por autores brasileiros: figura em listas internacionais. Mas especificamente na lista dos 100 melhores livros de temática judaica dos últimos 200 anos, feito pelo National Yiddish Book Center, nos EUA.
O livro narra a história do judeu Guedáli Tratskovsky, filho de imigrantes russos, que vieram para o Brasil fugindo dos pogroms e acreditando nos sonhos do Barão Hirsch- um financista e filantro judeu que financiou, entre outras coisas, a imigração dos judeus europeus para o Brasil, a Argentina, o Canadá e a Palestina.
Acontece que Guedáli é diferente. Não apenas pelo fato de seus pais terem resolvido permanecer no campo- era o plano do Barão, mas, no Brasil, não deu muito certo e os imigrantes judeus mudaram-se logo para Porto Alegre ou São Paulo. Ele era diferente principalmente por ter nascido com a metade inferior do corpo igual à de um cavalo: era um centauro.
Sua família, de início estarrecida, aprende a aceitá-lo e a amá-lo- com exceção de seu irmão, Bernardo, que tem ciúmes da atenção especial dedicada a Guedáli. É com certa dificuldade que lhe é feita a circuncisão- o mohel, afinal, não queria fazê-lo num cavalo.
Apesar do apoio dos pais e das irmãs, Guedáli cresce amargurado: não pode sair, não pode viver livremente como as outras pessoas, pois poderia acabar transformando-se em uma curiosidade, em uma atração. Deve viver escondido, longe dos olhos do mundo.
Mas acaba sendo descoberto pelo filho de um fazendeiro vizinho, que de início finge ser seu amigo, mas o trai. Isso é a gota d’água e sua família muda-se para Porto Alegre. Não para o Bomfim (o bairro judeu da cidade), mas para Teresópolis, na época afastado e pouco populoso: ideal para Guedáli esconder-se.
Escondido, ele lê muito e faz inúmeros cursos por correspondência, aprendendo línguas e inúmeras outras coisas. Mas ele se apaixona por uma moça das redondezas, que via com seu telescópio. Obviamente a coisa não dá certo e, frustrado, ele resolve ir embora, procurar seu lugar.
A partir daí a vida de Guedalí torna-se uma inconstante aventura. Vive algum tempo pelas estradas, até furta para sobreviver, trabalha em um circo- fingindo ser uma dupla fantasiada- e, por fim, acaba em uma instância, onde conhece Tita- uma centaura- com a qual cria um relacionamento e procuraria um ‘tratamento’ para suas condição.
A história criada por Scliar é complexa e cheia de reviravoltas, algo surpreendente para um livro relativamente curto. Isso, porém, não atrapalha em sua profundidade e nem deixa as coisas confusas.
É bastante fácil entender a aclamação do livro por parte do Nation Yiddish Book Center, pois o tema central do livro é o conflito de identidade de Guedáli, algo extremamente forte nos judeus que vivem fora de Israel e não são ortodoxos. Muitos foram assimilados mas não totalmente, ou seja, não são totalmente judeus para os ortodoxos e para os israelenses mas, ao mesmo tempo, são judeus, constituem a figura do eterno outro, do eterno estrangeiro no lugar onde vivem.
O Centauro no Jardim
Moacyr Scliar
224 páginas
Companhia de Bolso (Companhia das Letras)
R$ 23,00
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Li pela primeira vez neste instante. O que me chamou atenção, evidentemente, foi a figura do centauro que aparece com uma normalidade estranha. Lembrei do filme Blade Runner, onde a figura de outro ser mitologico, um unicornio, tambem representa a duvida “ser humano/ser replicante”. Eu acredito que Dakkar possa ser sim um replicante, visto a coleção de fotos sobre o piano, o sonho com o unicornio, e saber do passado de Raquel.