Um jovem aproveita as férias de verão para escapar das tensões cotidianas, que o colocavam em atrito direto com seus pais. Encontra no meio do caminho um outro jovem, seu conhecido, que também aproveita as férias, mas para escapar do chefe, a quem causa uma profunda irritação.

É com essa premissa inicialmente simples que o polonês- que viveu mais de 20 anos na Argentina e outros mais na França- Witold Gombrowicz constrói sua novela Cosmos. O livro, porém, não seria digno de Gombrowicz se essa história não sofresse reviravoltas inesperadas e não acabasse sendo totalmente distorcida por conta de fatos bizarros e não totalmente explicáveis, e nem totalmente entendíveis.

Os dois jovens- um protagonista sem nome e seu escudeiro indesejado, o irritador Fuks- partiram de Varsóvia e, em Zakopane- uma cidade nas montanhas no sul da Polônia, perto da fronteira com a República Tcheca- acabam tendo um encontro um tanto quanto insólito: um pardal enforcado, em uma altura impossível para uma criança, o que os leva a crer que deve ter sido obra de algum adulto, mas quem? Por quê?

Não muito longe do local onde encontram o pardal, acabam encontrando um local para ficar. Trata-se da casa da família Wojtys, que está alugando um quarto para duas pessoas, a um preço módico.

A partir desse momento o protagonista e seu companheiro Fuks começam a dividir o teto com a família, composta pela Redonda, a aparentemente amável mas obviamente autoritária matrona da família; com o marido dela, o banqueiro aposentado sr. Leon Wojtys; com a bela filha do casal, a recém-casada Lena e seu marido Ludwig; além da empregada Katasia, que tem uma cicatriz na boca que lhe empresta um ar grotesco. Ao mesmo tempo, porém, relações bizarras começam a surgir: o protagonista enamora-se de Lena justamente por relacionar sua boquinha perfeita à boca bizarra e obscena da empregada, todos parecem ter algo a esconder e logo surge um graveto pendurado, que pende tal qual o pardal e por isso relaciona-se a ele.

A sensação de loucura é ao mesmo tempo sutil e inevitável e eis que surge um crime. Um crime tão sem sentido quanto todo o resto, mas para o qual todos logo se apressam a oferecer algum sentido- assim como para todo o resto.

Mais importante do que a história são, na verdade, as inúmeras associações lógicas (e ilógicas) que o autor cria, ao brincar com palavras e com o sentido das coisas, ao mesmo tempo que tira sarro da eterna busca de sentido. Exatamente por isso o livro, apesar de curto, é bastante difícil de descrever- acho que o mais próximo que posso chegar, em poucos palavras, é dizer que se trata de uma novela policial de lógica borgeana, porém despida de lógica.

Isso não significa no entanto, que o livro seja estúpido. Toda a falta de lógica obedece a um propósito. Toda a falta de sentido faz sentido. E, por isso, Cosmos– o último livro de Gombrowicz- é um dos livros mais perturbadores já escritos e, mesmo hoje, mais de 50 anos depois de sua publicação, ele ainda é um tanto quanto iconoclástico.

Cosmos

de Witold Gombrowicz

tradução de Tomas Barcinski e Carlos Alexandre Sá

192 páginas

R$ 45,90

 

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