Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900) foi  um dos mais influentes e controversos filósofos de seu tempo, e talvez continue a sê-lo até hoje, mais de 100 anos depois de sua morte. Ainda hoje seu ‘super-homem’ e seu ‘Zaratustra’ são infinitamente citados.

Mas antes de chegar até tais ideais, Nietzsche fora discípulo de Schopenhauer e admirador de Wagner. Antes ainda admirava os antigos gregos por sua alma trágica, visível em sua filosofia, sua música e seu teatro- admiração esta que não esmoreceria com o tempo, ao contrario da que nutria para com seus compatriotas.

Sua primeira obra foi O nascimento da tragédia, publicado originalmente em 1872, em que falava justamente sobre a gênese desse espírito que tanto admirava na antiguidade helênica. Nos 4 anos que se seguiram, publicou longos ensaios, que foram reunidos sob o título de Considerações extemporâneas.

Nesse mesmo período, porém, começa a surgir em Nietzsche os primeiros indícios de seu afastamento de Schopenhauer e Wagner. Ele, em suas anotações, esboça também um manual sobre a filosofia trágica grega, nomeadamente a filosofia dos pré-platônicos. Depois de sua morte essas anotações seriam reunidas e publicadas como A filosofia na era trágica dos gregos.

Nessa obra ele busca explicar- de modo sucinto- as ideias dos primeiros filósofos gregos, que, para ele, foram os primeiros filósofos verdadeiros. Tudo começa com Tales, que propôs que tudo originava-se da água. Para Nietzsche, porém, ele afasta-se da mitologia ao excluir qualquer fabulação, de modo direto. Pela primeira vez alguém um homem preocupava-se com o ser, sem o intermédio da religião.

A Tales segue-se Anaximandro, para quem tudo no mundo expiava a injustiça de existir ao perecer. Divide, assim, o mundo em algo dual- que, no entanto, não o deveria ser. Nietzsche não apenas vê Anaximandro como o primeiro pessimista verdadeiro- o primeiro dos filósofos a ter uma visão trágica de mundo– mas também o aproxima de Schopenhauer.

Ao mesmo tempo o próprio Nietzsche parece querer aproximar-se da figura de Heráclito, que derrubou as ideias de Anaximandro- indicando, talvez, a proximidade de sua ruptura com Schopenhauer. Heráclito negava a hipótese de um universo dual, unindo o ser e o não ser, legitimando apenas o vir a ser.

O livro, porém, não trata apenas sobre a filosofia helênica. Talvez mais poderosa do que a coleção comentada do pensar dos primeiros filósofos seja a crítica que o filólogo alemão faz ao seu próprio tempo: além de começar a desconstruir seu predecessor pessimista, ataca a lógica kantiana e, mais importante ainda, critica a pretensa filosofia da modernidade como mera erudição- um repetir incansável de velhas ideias sem que nada de original seja realmente criado.

Existe ainda a crítica à modernidade que não permite que os filósofos vivam de acordo com suas teorias: Tales, Anaximandro, Heráclito, Péricles, Empédocles, Demócrito e Anaxágoras todos podiam estender sua filosofia para todas os seus atos, desde o modo de caminhar até suas escolhas políticas. Na modernidade o aparato estatal impede isso, fazendo com que a filosofia seja limitada a ser mera teoria- e isso, junto com a tendência a erudição, acaba com as possibilidades do gênio criativo.

A filosofia na era trágica dos gregos é uma obra relativamente simples para os padrões de Nietzsche mas, nem por isso, torna-se fácil. Os conceitos utilizados, como ser, não ser e vir a ser, podem ser um pouco confusos para o leitor pouco acostumados às vicissitudes do vocabulário filosófico. Ainda assim o livro é indicado não apenas para quem já conhece e gosta da obra do alemão, mas é uma boa maneira de se ter um primeiro contato tanto com ele quanto com os gregos sobre os quais ele discorre.

A filosofia na era trágica dos gregos

Friedrich Nietzsche, tradução de Gabriel Valladão Silva

144 páginas

R$ 12,00

 

Saiba mais sobre essa e outras obras no site da L&PM Editores

DISCUTA O POST NO BLOG DO MEIA PALAVRA