“As queer as a clockwork orange” ou, em uma tradução livre, “tão bizarro quanto uma Laranja Mecânica” foi a expressão que deu origem ao livro mais conhecido de Anthony Burgess, que se tornou uma verdadeira obra-prima ao retratar gangues adolescentes de um futuro não determinado. Muita ultraviolencia e horrorshow são vistos nas quase 200 páginas da ficção, que não poupam o leitor em nenhum detalhe da vida de Alex. É ele o personagem que nos relata sua vida de vandalismo, agressão e transgressões de regras ao lado de seus camaradas drugis e, depois, as consequências desses crimes. Ao longo da narrativa, o vermelho salta não só da pele de vítimas, mas sim em cada linha da história.

Por mais que Burgess tenha recriado um vocabulário próprio para seus personagens, o nadsat, além de uma nova ambientação para Londres (mais futurista) receber as ações inconsequentes dos jovens, percebemos um flerte amargo com a realidade. Em sua ficção científica, o autor encontra o espaço para críticas que ainda hoje se aplicam a nossa sociedade. Essa obra é, inclusive, considerada como uma tentativa dele próprio superar um trauma que circulava sua vida, já que sua mulher foi estuprada por jovens. Burgess escreveu Laranja Mecânica para exorcizar a dor, o que torna ainda mais chocante o momento em que, no livro, um escritor (que está trabalhando em um livro de nome “Laranja Mecânica”) vê a mulher sendo estuprada por Alex, Pete, Tosko e Georgie. Ainda não o bastante, na época que escreveu o romance, Burgess ainda era assombrado por uma doença que deveria matá-lo em até um ano (se o parecer do médico tivesse sido correto, ele haveria morrido sem completar o livro).

Laranja Mecânica marcou muitas pessoas que tiveram contato com o livro e até mesmo com sua adaptação cinematográfica, dirigida por Stanley Kubrick. Uma resenha meramente descritiva seria praticamente desnecessária. É preciso ir mais afundo e, por isso, nesse artigo, eu gostaria de me aprofundar em três pontos do livro: A natureza inconsequente do ser humano, a irônica simpatia que Alex desperta no leitor e, por fim, o meu palpite pessoal para a expressão “Laranja Mecânica” ter sido usada no livro.

What about an in-out-in-out really really horrorshow, pretty devotchka?

Uma das questões que deixam Laranja Mecânica ainda mais interessante, é o fato dos personagens não terem real consciência de bem e mau, de certo e errado. É claro, Alex sabe que prejudica a vida de outras pessoas ao agredi-las, mas antes de ser tomado pela moral, ele deixa-se levar pelo instinto e vontade. Para ele e seus companheiros, o vandalismo era, acima de tudo, um prazer e diversão. Suas vidas eram fáceis e eles detinham todo o poder, mesmo assim, isso não o bastava. “Eu não conseguia deixar de me sentir um pouquinho decepcionado com as coisas do jeito que eram naquela época. Nada contra lutar de verdade. Tudo era fácil como tirar doce de criança”

Laranja Mecânica

Para além da expressão, o livro contém uma parte explicativa sobre o significado de Laranja Mecânica: “A tentativa de impor ao homem, uma criatura evoluída e capaz de atitudes doces, que escorra suculento pelos lábios barbados de Deus no fim, afirmo que a tentativa de impor leis e condições que são apropriadas a uma criação mecânica, contra isto eu levanto a minha caneta-espada…”

A expressão se revela muito mais do que algo que propõe bizarro, ou diferente, como revela a expressão que citei no início do artigo. De fato, a proposta de Burgess é inovadora pois ele recria um mundo e um dialeto que causam estranheza ao leitor, mas, se pararmos para pensar, as palavras Laranja e Mecânica são praticamente opostas. A primeira sugere algo natural, enquanto que a segunda leva consigo as mudanças humanas e a tecnologia, bem como a falta de criatividade em prol da realização de uma atividade automática.

Pensando nessa ótica, podemos dizer que a mente de qualquer ser humano é uma Laranja. Alex, no livro, é uma laranja no sentido de que, para ele, é natural ser mau. Ele despertou isso em si apesar de ter pais presentes e ser educado na escola. Seu comportamento, no entanto, o tornam um perigo social. Ao se tentar corrigí-lo com o Método Ludovico ou com o sistema carcerário, estamos tentando “mecanizá-lo”. O resultado é antinatural e destrutivo, como Alex mesmo protesta, em certo trecho do livro, ao ser apresentado ao Método Ludovico: – “Eu vou ser uma Laranja Mecânica?”. Alex perde seus prazeres, criatividade e paixões, que embora fossem um perigo, eram o que o tornava humano. Com sua mecanização, ele perdeu seu senso de escolha e é isso que eu acredito ser o motivo para o leitor conseguir simpatizar com ele, apesar de seus atos.

Alex e apontamentos finais

É de fato irônico o fato de que Burgess tenha conseguido criar uma simpatia dos leitores em Alex, mas, afinal, o personagem tem o destino que merece. O leitor, que colocado na posição de seu único amigo e confidente, consegue ver um dos destinos mais cruéis lançados ao personagem: Ele perde seu livre arbítrio.

Pior do que isso é o fato de Alex sofrer na mão das mesmas pessoas que um dia ele agrediu, criando assim uma ciclicidade para a narrativa. O desfecho é justo, porém cruel. Ao longo dos 21 capítulos de livro, Alex atinge atravessa sua adolescência e atinge sua maturidade, conhecendo as drogas, violência e punição não só pelo Sistema, mas também pelas casualidades da vida.

Laranja Mecânica

Anthony Burgess
Tradução: Fábio Fernandes
224 Páginas
Preço sugerido: R$36,00

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