Quatro gerações de uma mesma família problemática. Dificuldades no relacionamente entre pais, filhos e avós. Judeus, nazistas, o segunda guerra do Iraque, o conflito israelo-palestino. Em poucas palavras, é assim que eu resumiria o livro da escritora canadense Nancy Huston. Mas não é o tipo de livro que aceite que se fale pouco a seu respeito.

A história é uma grande linha do tempo invertida, em que cada uma das gerações conta sua história, sempre aos seis anos de idade. Começamos com Solomon, em 2004. Depois disso temos seu pai Randall, em 1982; sua avó Sadie em 1962 e a bisavó Kristina, em 1945.

Solomon é um pequeno psicopata pós-moderno. Já aos seis anos de idade sofre de uma espécie de megalomania, considera-se o messias. Típico WASP (White, Anglo-Saxon and Protestant- Branco, Anglo-Saxão e Protestante) norte-americano, é um garoto inteligente e precoce em muitas coisas. Entre elas seu gosto por sites de zoofilia e de estupro, além de seu ódio contra os árabes. Seu pai é um tanto ausente- está sempre trabalhando para manter o padrão de vida elevado da família- e sua mãe é superprotetora e faz todas as suas vontades.

Em 1982 Randall parece ter uma infância mais saudável: brinca com outras crianças, joga beisebol com o pai- um dramaturgo judeu não muito bem sucedido. A mãe é quem é distante dessa vez: convertida ao judaismo é obcecada com o Holocausto e com os Lebenborn alemães, as Fontes da Vida, local onde crianças sequestradas- louras e de olhos claros- eram mantidas até serem doadas a famílias alemãs- com o objetivo de germanizar as regiões da Alemanha onde as pessoas tivessem olhos e cabelos escuros. É assim que a família acaba indo viver em Haifa, bem na época da guerra entre Israel e o Líbano, durante aconteceram inúmeros massacres de civis árabes pelas tropas das IDF.

Voltamos mais uma vez no tempo, até 1962, quando a pequena e triste Sadie vive no Canadá com seus avós. Sua mãe, uma cantora um tanto libertina vem visitá-la de tempos em tempos, e esses são seus únicos momentos de alegria. Até o dia em que a mãe se casa com seu empresário judeu e a leva para viver com o recém-formado casal, em Nova Iorque. Entre outras coisas, Sadie descobre que, em hebraico, seu nome significa ‘princesa’, e que não necessariamente tem a ver com ‘tristeza’ ou com ‘sadismo’. Acontece, porém, algo que muda toda sua relação com a mãe e com a vida.

Por fim chegamos no começo. Estamos em 1944, e a Alemanha está perdendo a guerra. Mais e mais jovens são chamados, entre eles o irmão mais velho da pequena Kristina, que acaba sendo morto. Apesar de amar sua família- especialmente seus pais e avós- começa a ter dúvidas quando descobre que é adotada e que um novo garoto surge- de certa forma para substituir o irmão morto.

Quatro crianças em quatro momentos diversos da história. Mas todas pertencem à mesma família. Prova disso são as manchas que cada um deles tem no corpo, com a qual cada um tem sua relação. Outras manchas que eles tem são na alma, essas também passadas de geração em geração, apenas manifestas de modo diferente- de um modo que adequa-se ao contexto histórico em que cada criança vive.

Marcas de Nascença é um livro sobre famílias, sim. Mas também é um livro sobre a guerra, sobre o preconceito e as conseqüências íntimas que isso pode ter a prazos incrivelmente longos- e que, parece, a espécie humana é sempre capaz de renovar.

Marcas de Nascença

Tradução de Ilana Heineberg

320 páginas

Preço Sugerido: R$ 19,00

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