Perdeu a primeira parte dessa resenha? Pode encontrá-la aqui.

O processo de transformação que começara a operar no jovem Fowl no quarto livro (A vingança de Opala) torna-se pujantemente central no quinto livro (A colônia perdida). É uma transição, um evento encaixado numa fase de mudança normal na vida das pessoas: a adolescência. Artemis conhece também uma jovem inteligente, porém nada carismática, por quem começa a desenvolver uma admiração que beira a paixonite juvenil.

Ou seja, aquele Artemis inescrupuloso e maquiavélico que aprendemos a gostar nos primeiros livros, entra no famoso “turbilhão de emoções” da adolescência, no labirinto juvenil de hormônios. Isso altera de maneira basilar o caráter do personagem, já que a filosofia “os fins justificam os meios”, que norteava as ações do personagem outrora (e portanto central no andar da trama) está sendo constantemente assediada pelas crises de consciência do garoto prodígio do crime.

Quando penso sobre essa mudança, vem-me a cabeça aquela mudança que se deu com Michael Corleone no terceiro filme da franquia inspirada na obra de Mário Puzo (guardadas, logicamente, as enormes diferenças que separam um don americano e um adolescente irlandês): Don Corleone quer legalizar os negócios da família, ele está sofrendo uma crise de consciência a respeito das coisas que fez ao longo de sua vida, seu caráter transfigurou-se.

Não estou dizendo que isso é necessariamente ruim (embora eu não veja lá com bons olhos tal coisa. O fato que esse livro está inserido dentro dessa onda de “politicamente correto” que tem condicionado diversas produções culturais), estou dizendo que essa mudança, relativamente à conduta, é uma evolução, um melhoramento na índole de alguém que já sequestrou uma criatura do Povo em troca de ouro; contudo, me parece que isso vai contraditoriamente as bases lançadas nos primeiros livros e que, diante das premissas acerca do irlandês, lhe tira muitas características que anteriormente faziam as aventuras se desenrolarem.

Junte a toda essa desenfreada mudança uma paixonite que se abate sobre o protagonista. O jovem Fowl vai deixando aos poucos os sentimentos sobrepujarem a razão, o que soa contraditório em relação ao velho Artemis. Os personagens são um ponto em especial, que desgostei mais do que qualquer coisa com relação ao livro, são mal introduzidos e nada carismáticos, e que resultaram em um peso para a fluidez pela qual a série é conhecida.

O baque na série tinha de ser consertado, algumas características tinham de ser recuperadas, o calculista e frio Artemis precisava dar as caras novamente. Com algumas mudanças, o sexto livro buscou trazer o velho modus operandi de Artemis a tona novamente e, na minha opinião, foi satisfatório.

Há certamente pontos que nunca se igualarão aos três primeiros livros, pontos que são acrescidos e que crescem alterando as bases lançadas anteriormente. A onda ecológica que se difunde indefinidamente chegou também às criaturas mágicas. Não que nunca houvesse sido dito que a preocupação com a preservação estava presente no pensamento do Povo, mas ela se tornou mais central frente também às mudanças de perspectiva preservacionista em nosso mundo. Quanto a isso, creio que foi bem encaixado, apesar dos pesares.

O que há de se reconhecer é o peso das mudanças e acréscimos fazendo ranger as pilastras que seguram o universo de Artemis Fowl. A expansão já não conta com o elemento de novidade, e cada vez mais se alarga e incorpora. Seria a hora de parar? Difícil dizer, pois renovações podem ainda acontecer e abrir precedentes para mais histórias e aventuras. O problema é que as situações do sexto livro (O paradoxo do tempo) se baseiam sobre premissas e personagens lançados no quinto livro, que, por sua vez, já não são carismáticos e acabam por truncar a estrutura. Infelizmente, parece que Artemis não convence mais: as situações de tensão com o Povo, os jogos intelectuais, as armações geniais parecem ter perdido o brilho.

O gancho que sobra nesse último livro lançado, deixando espaço para mais Opala Koboi em futuras continuações, é uma faca de dois gumes, pois pode tanto criar a oportunidade de renovação; quanto pode colocar mais peso sobre a estrutura ficcional e ruir de vez com o prédio todo. Provavelmente, as insinuações afetivas entre Holly e Artemis se tornem mais explícitas e evoluam para algum tipo de relacionamento, e aonde isso vai levar a série não se sabe, resta somente esperar para saber.

Essa resenha foi publicada originalmente no dia 9 de abril de 2010 no Artilharia Cultural.

A título de informação, insiro as informações referente ao sexto volume das aventuras de Artemis Fowl:

Artemis Fowl e o paradoxo do tempo
Autor: Eoin Colfer
Tradução de Alves Calado
416 páginas
Preço Sugerido: R$ 42,90