Depois de dois livros que se ocuparam em grande medida em estabelecer limites escrupulosos para as atitudes e a consciência de Artemis Fowl, o sétimo e penúltimo livro da série (O Complexo de Atlântida) deu uma guinada na direção contrária, ou melhor, procurou modificar muito do que foi escrito anteriormente, depurando algumas modificações comportamentais que deixaram os fãs com saudades do “velho Artemis”, maquiavélico e decidido.

A “solução” encontrada (ou talvez essa seja uma conclusão meio apressada e futuróloga da minha parte) por Eoin Colfer para lidar com essa nova tendência de Artemis, mais politicamente correto e ecologicamente engajado, é no mínimo curiosa. Artemis Fowl e o Complexo de Atlântida mostra o protagonista escorregando em obsessões com o número 5 e transtornos obsessivos compulsivos em geral, nem parece aquele Artemis Fowl de acuidade mental afiadíssima que víamos resolver estratagemas intrincados anteriormente.

As mudanças comportamentais de Artemis, como ele ter maiores preocupações com os outros, ser menos egocêntrico e ganancioso (juntamente com sua nova preocupação verde), foram transmutadas em distúrbios de origem patológica, ou melhor psicológica, justamente no que figura no subtítulo do livro, o Complexo de Atlântida: um distúrbio que atinge aqueles que, além do contato prolongado com a magia, sofrem crises de consciência e de perda de certos referencias anteriores. A mudança que incomodava aqueles fãs que pendiam mais para o “velho Artemis” (categoria na qual me incluo) foi tornada “doença”, e ao que parece, será devidamente sanada numa clínica psiquiátrica avançadíssima do Povo (o desfecho será revelado no próximo e último livro da saga, que até agora está intitulado The Last Guardian, e tem previsão de lançamento para o verão de 2012).

Na apresentação de um de seus projetos de preservação ambiental na Islândia, Artemis, Holly e Potrus (sim, sem o fiel guarda-costas Butler) se vêem envolvidos num incidente em que uma sonda que rumava a Marte misteriosamente volta a Terra e passa a atacá-los. Certamente uma mente misteriosa se esconde por trás dessa trama, e a prisão localizada em Atlântida (a reelaboração do mito de Atlântida por Colfer segue o brilhantismo de suas outras releituras) certamente tem algo a ver com isso tudo. Interrompo aqui a sinopse para poupá-los de spoilers realmente comprometedores a respeito do desenrolar da trama.

Um dos elementos mais engraçados do livro é outra das “soluções” de Colfer para lidar com o “novo” comportamento de Artemis. Não bastando ele ter entrelaçado o “novo Artemis” com o Complexo de Atlântida, o estágio dois da doença inclui dupla personalidade, o que nos leva a Órion Fowl, a porção romântica, sentimentalóide e poética de Artemis. Ele rebusca todas as frases, permeia todos seus comentários com alusões ora mais explícitas ora mais discretas a sua paixão por Holly e encara tudo como uma grande empresa cavalheiresca digna do medievo.

O humor de Colfer permanece e funciona muito bem, os diálogos aparecem aos montes e ditam o ritmo da narrativa, dotando-a de fluidez e charme todo especial quando se encontra com as descrições dos dispositivos high tech acoplados à magia primitiva, mas muito eficiente. Continuo achando que Colfer é uma aposta interessante para explorar o universo de Douglas Adams, embora eu tenha especial apreço pelo último.

O resultado dessa combinação de personagens, ação, descrições tecnológicas, situações aparentemente sem saída com soluções mirabolantes e releituras de elementos clássicos de mitos, magia e fantasia fazem o livro funcionar, talvez não com aquele élan que caracterizou a trilogia inicial, mas ainda assim uma ótima opção de divertimento, da qual sou fã confesso.

O que Colfer pretende fazer com Artemis e Órion Fowl e o Complexo de Atlântida é algo que não temos como saber até o lançamento do oitavo e derradeiro livro da série. De minha parte, apesar dos reveses, altos e baixos, posso dizer que, devido ao lugar especial que Artemis Fowl ocupa na minha vida de leitor (equivalente ao que Harry Potter ocupa como potencializador de leituras), ele deixará um vazio quando eu fechar a última página do último livro.