Algumas vezes eu leio sites com conselhos para escritores. Na verdade mais do que algumas vezes, eu leio bastante. Nunca sigo nenhum desses conselhos quando vou escrever, mas costumo achar alguns deles interessantes. Um dos que se repete com mais frequência é o que diz para ter cuidado com obras autobiográficas, especialmente se for a primeira.

Caso essa regra seja válida para a prosa, com certeza não é para os quadrinhos. David Heatley é o exemplo mais recente que eu tenho para isso: My brain is hanging upside down nada mais é do que uma autobiografia, misturada com pedaços de suas história familiar.

Isso não implica que ele tenha uma biografia excepcional, como a de Hemingway. Também não quer dizer que sua família tenha passado por circunstâncias inimagináveis, como no caso de Art Spiegelman. Heatley viveu coisas que, de modo pessoal, são notáveis, mas nada que não possa acontecer a qualquer pessoa nascida nos EUA na segunda metade do século XX.

A grande sacada em My brain is hanging upside down é o modo como ele faz isso, a honestidade – sem exageros – de sua autocrítica e a coragem que ele demonstra ao expor alguns aspectos… intrigantes de sua vida.

O livro, que é seu primeiro, é dividido em cinco partes, todas interligadas e, algumas vezes, mostrando acontecimentos mais ou menos simultâneos, mas com focos específicos.

A primeira chama-se Sex e narra o desenvolvimento sexual e afetivo da vida de David. Desde a infância, onde jogos sexuais tinham um caráter inocente, até a idade adulta, com suas dúvidas, culpas e aflições, culminando na estabilidade de seu casamento com Rebecca Gopoian, não antes de muitas idas e vindas. Heatley parece não ter pudores, ou, ao menos, passar por cima deles.

Em seguida temos a sessão chamada Race. A única parte do livro a ser toda em preto e branco, é descrita pelo autor como ‘uma história incompleta de todas as pessoas negras que conheceu, ou um acerto de contas com o próprio racismo’. Ele conta sobre todos os negros que conheceu, desde o jardim de infância, até os dias recentes, passando por seu envolvimento com ‘música negra’ – especialmente o rap, indicando alguns discos e bandas no meio da história -, que o levava a imitar seus amigos negros na adolescência, e, mais tarde, com movimentos civis de igualdade racial. Ao mesmo tempo David nos deixa entrar em seus pensamentos que considera racistas (‘ele fez isso por ser negro’, ‘ele é mais legal por ser negro’ e coisas semelhantes), pelos quais sente-se culpado. Homenageia, ainda, algumas figuras que foram influentes em sua vida.

As outras partes são mais curtas, e semelhantes entre si. São, respectivamente, Mom, Dad e Kin – tratando, respectivamente, sobre seu relacionamento com sua mãe, seu pai e sua família como um todo. São todos relacionamentos um tanto quanto problemáticos, que, ao longo da história, ele tenta resolver- apesar de si mesmo.

Quanto à arte, é bastante interessante. São desenhos que podem parecer um tanto quanto rudimentares, mas é difícil imaginar essa história com um traço mais detalhado ou realista – apesar de ser plausível que Heatley pudesse fazê-lo se quisesse. As cores são igualmente simples, e essa combinação empresta um ar um pouco ingênuo, oral, à narrativa.

Ainda não está disponível em português mas, para quem lê em inglês, é uma sugestão interessante. Certamente qualquer um se identifica com algumas das situações que o autor retrata, e isso é responsável por parte do poder da obra.