Não foi lendo a sinopse que me interessei pela leitura de Ribamar; tampouco conheço outros escritos de José Castello. O que me empurrou para aquelas páginas foi a frase de abertura do romance: “Meu mal tem uma origem precisa: sou obcecado por Franz Kafka.” Tomando a citação como se fosse uma descrição precisa de minha própria condição, senti-me na obrigação de continuar a leitura daquelas linhas. Mas o narrador/personagem vai muito mais além da obsessão: ele não apenas vê a si mesmo em Kafka, mas também aponta semelhanças entre a relação do escritor tcheco com o pai, Hermann, e sua própria relação com o pai, Ribamar.

As primeiras páginas parecem mostrar um adolescente ressentido com a sombra que o pai projeta em sua vida – mesmo depois de morto – utilizando-se de clichês e lugares comuns para descrever esta relação; mas quem não parece um adolescente diante do poder que a figura paterna exerce sobre os filhos? A idade é fator insignificante quando o assunto “pai” é posto na roda. Mesmo para o homem de quarenta anos, que se considera vivido, com família constituída, diante do pai, diminui-se e age como um jovem receoso e inexperiente.

No início, o que mais chama atenção é a forma como o narrador/personagem constrói a imagem do idoso – com repugnância, nojo, aversão à condição física do ser humano nesse último estágio de sua existência. Ele encontra-se no asilo onde seu pai está internado e ajuda-o a tomar banho. Tudo no corpo do homem velho lhe causa repulsa: a barba, os lábios, os músculos envelhecidos e “[…] Aquele sexo morto, de onde eu vim”. Esta repulsa possui duas fontes: a primeira, e já citada, é o repúdio pela velhice por si só; a segunda é a repulsa não pela velhice como condição da vida, mas a velhice de seu pai em especial, aquele homem que passou anos de sua vida projetando uma sombra de grandeza, soberania e potência viril na vida do filho, mas que agora é visto em uma realidade física decadente. O que o filho deve fazer com a imagem solidamente estruturada e temível que ele criou do pai ao longo da vida, quando agora ele o vê como um ser deteriorado e incômodo? É justamente a busca pelo “o que fazer?” que move o narrador/personagem de volta a sua terra natal e gera toda a narrativa do livro. (Para mais sobre esta perspectiva recomendo o conto A preocupação de um pai de família, de Franz Kafka.).

Na cidade em que foi criado ele procura por pessoas que possam ter convivido com o pai e se aproxima delas com a desculpa de que está escrevendo a biografia do homem. Em um asilo encontra um velho com idade suficiente para ter vivido na cidade no mesmo período em que o pai, e passa a fazer perguntas ao velho, que com uma memória não muito boa, diz de primeira que provavelmente não o conheceu. A partir desse momento Ribamar torna-se um livro basicamente de citações, aliás, não necessariamente nesse momento, pois as citações ocorrem desde o início, mas aqui elas se intensificam, ou por inabilidade do autor em lidar com a temática ou por ser uma característica do narrador/personagem. No final das contas, a sensação é a de que as palavras lidas não são originais, não são de fato de quem conta a história, pois ele se vê nos escritos de outros autores. Para tudo o narrador/personagem acha um equivalente, na maioria das vezes em Kafka – seja em sua obra ou mesmo em dados biográficos -, mas também em Manuel Bandeira, em Robinson Crusoé de Daniel Defoe e outras poucas mais que são revistas à exaustão. Decerto pouca coisa se lê a respeito do pai e mesmo do narrador/personagem, pois a todo o momento em que este rememora situações e episódios de sua vida com o pai, ele se embrenha na vinha de Kafka, traçando o que ele enxerga como sendo fatos equivalentes.

A verdade é que, depois de Carta ao pai, qualquer outro livro que se propõe a tratar o tema já é olhado com certa desconfiança. Desconfiança esta que tive intensamente. Não se deve dizer que nunca mais o tema será tratado com a brevidade e a pontualidade com a qual ele já foi trabalhado por Kafka – sem querer entrar em questões como a ficcionalização ou não do teor dos fatos narrados na carta -, mas por mais agradável que tenha sido ler curiosidades sobre a vida do escritor tcheco, dentre outras do tipo, Ribamar me pareceu nadar, nadar, e morrer na praia. Seu objetivo pode não ter sido assemelhar-se com a carta de Kafka, mas as comparações são inevitáveis.

Sobre o autor:  Sérgio Ferreira cursa Letras na Universidade Federal do Paraná (UFPR), com ênfase nas Literaturas do Brasil e da Alemanha. Quando tem tempo gosta de escrever resenhas, ensaios e contos.

Ribamar

José Castello
280 Páginas
Preço sugerido: R$37,00

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