Qual o momento de maior solidão na vida de um homem? Quando nascemos? Quando morremos? Quando amamos? Quando deixamos de amar?  É uma pergunta difícil, de respostas ainda mais difíceis. E, de certa forma, é a pergunta que dá norte ao livro do norte-americano Paul Auster, A invenção da solidão.

O livro começa com uma perda, quiçá uma das mais inevitáveis e profundas na vida de qualquer um: a morte do pai de Auster. Após um breve e vago parágrafo sobre a transitoriedade da vida, Auster lança a morte do próprio pai aos olhos de seu leitor. A partir daí tudo se torna cada vez mais complexo.

Não existem lamentos, no entanto. Aliás, o que Auster faz parece mais próximo de uma celebração do que de um lamento. Ele descreve o processo de esvaziar a casa do pai, separar as coisas que pretende guardar daquelas que não lhe dizem nada – e que serão vendidas, doadas ou jogadas fora.

É assim que ele acaba se entranhando cada vez mais em um universo de diários e objetos poeirentos, num mundo formado não por uma realidade objetiva, mas pela memória – e sua peculiar subjetividade, que tende só a crescer com o passar dos anos – e, a partir do que consegue extrair de lá, construir seu ‘Retrato de um Homem Invisível’ (que, não à toa, é o título da primeira parte do livro).

O enredo gira em torno do pai de Auster, das recordações que o filho guarda do pai e das recordações que o próprio pai guardou sobre a família – e que puderam, de algum modo ser resgatadas. Um trabalho de proporções épicas, digno da citação a Hesíodo que abre a primeira página do livro.

Segue-se a segunda parte do livro, intitulada ‘O livro da Memória’ em que, depois de ter sido quase que forçado a recordar seu pai, Auster deixa-se levar pelo trabalho árduo da memória e passa a recordar-se de si mesmo – incluindo aí seu passado e seu futuro, na forma dos filhos. Entremeiam-se reflexões acerca do processo criativo e do processo de escrita.

Pessoalmente, não me agrada muito o estilo de Auster. Geralmente seus temas não são exatamente atraentes para mim, e suas escolhas estéticas também não me soam como as melhores. Dessa vez, porém, minha opinião foi diversa. Não só o tema – a memória, antes de qualquer outra coisa – me agradou como o modo como isso tudo é apresentado parece ideal. Recortes de notícias e exertos de diários misturam-se com a prosa de tons levemente didáticos de Auster, acrescida de sutilesas poéticas, como algumas repetições que podem ser consideradas até mesmo formulaicas.

Dentre essas fórmulas, a que fecha o livro é talvez a mais repetida e a mais importante: “Foi. Nunca mais será. Lembre-se.” Talvez a resposta de Auster à minha pergunta inicial seja justamente essa: o momento mais solitário na vida de um homem é o momento em que ele se recorda daquilo que se perdeu para sempre, inevitavelmente.

A invenção da solidão, de Paul Auster

tradução de Rubens Figueiredo

200 páginas

R$ 45,50

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