Franz Kafka, Imre Kertész, Philip Roth, Amós Oz, David Grossman… Todos autores que tem algo em comum: a origem judaica. E não são os únicos: eu já escrevi uma série de posts sobre literatura judaica, mostrando o quão vasta ela é (e eu, certamente, só conheço uma parcela ínfima de todo um universo). Apesar de todo mundo que eu conheço já ter lido algum livro de escritor judeu, vejo que poucas dessas pessoas conhecem a cultura judaica, mesmo que superficialmente.

Pensando nisso resolvi unir o útil ao agradável e preparar um post especial de Rosh Hoshaná (o Ano Novo Judaico, que acontece entre hoje e amanhã), falando sobre livros que entrem mais a fundo na cultura judaica tradicional. O que é kosher? Que festa é aquela que acontece quase no Natal e na qual se acende aquele candelabro engraçado? O que é um goy? Não vou responder nenhuma dessas perguntas, mas vou dizer quem pode responder de modo muito mais proveitoso do que eu.

É claro que os melhores autores para isso são, provavelmente, os de língua ídiche. A começar pelo que, talvez, tenha sido o mais famoso dentre eles: Isaac Bashevis Singer. Nascido na Polônia, era filho de um rabino e da filha de um rabino. Quando Isaac tinha por volta de seis anos de idade, seu pai tornou-se o rabino chefe no yeshiva da rua Kochmalna, em Varsóvia e, como tal, exercia funções de juiz, líder espiritual e autoridade religiosa. Em No tribunal de meu pai são justamente as histórias desse tempo que o escritor relembra.

Continuo as indicações sem sair da casa dos Singer: menos conhecida no Brasil, a irmã mais velha de Isaac Bashevis, Esther Kreytman, também foi uma escritora de certa importância nas letras ídiches. Sua obra é pouco extensa: a novela Der Sheydim Tants (‘A dança dos diabos’, traduzido para o inglês como Deborah), e os volumes de contos Brilyantn (‘Brilhantes’, Diamonds na versão inglesa) e Yikhes (‘Linhagens’, Blitz and other stories na Inglaterra). Todas as obras são ricas em conteúdo tradicional, tratando especialmente do papel da mulher nas comunidades Ashkenazi.

Não podemos, é claro, esquecer de Sholem Aleichem – um dos mestres da literatura ídiche ainda no século XIX. Toda sua obra fala sobre a vida dos judeus nas comunidades tradicionais, mas é sua produção teatral o grande atrativo. Destaco as peças Shver tsu zayn a yid (‘É difícil ser um judeu’) e Tevye der milkhiker (‘Tevye, o leiteiro’).

Para não ficarmos apenas nos autores de língua ídiche, porém, preciso citar aqui Viagem ao fim do milênio, do israelense A. B. Yehoshua. O livro é ambientado na idade média, às portas do ano mil, mas apesar da enormidade do tempo que o separa de nós, algumas tradições persistem – e as diferenças entre Ashkenazis e Sefaradis também.

Por fim, existem as diversas coletâneas de contos tradicionais – inúmeras histórias sobre Dibbuks e sobre o Golem, em que as coisas mais estranhas acontecem tantos nos dias santos quanto nos dias comuns. Para quem gosta de fontes mais antigas, recomendo Galerie der Sippurim, uma coletânea publicada originalmente em 1847 por Wolf Pascheles. Outras coleções, infinitamente mais acessíveis, também podem ser encontradas e valem a pena.