Médicos são como advogados: só que advogados meramente lhe roubam, enquanto que médicos lhe roubam e matam.

O autor dessa frase é o escritor e dramaturgo russo Anton Tchekov, que também era médico. Durante anos dedicou-se às duas atividades, chegando até a dizer que a medicina era sua esposa, e a literatura sua amante.  

Mikhail Bulgakov também exerceu as duas funções. Ao contrário de Tchekov, porém, não de maneira simultânea: foi médico de 1916 até 1919, abandonando a profissão pela carreira de escritor.

Para que não pensem que dividir-se entre literatura e medicina é um privilégio dos Russos, lembremos do português António Lobo Antunes, e do nossos Moacyr Scliar e o grande Guimarães Rosa. Aliás, poderia citar uma infinidade de exemplos, das mais diversas nacionalidades.

De fato, isso leva a crer que talvez médicos tenham alguma ligação com a literatura. Quem sabe, de tanto ouvir sobre dores e angústias, não aprendem algo sobre a alma humana?

É o que os próprios médicos costumam crer. E pode até ter sido verdade no passado. Mas a realidade, hoje em dia, é bem diferente. Em poucos meses eu termino a faculdade e me tornarei, então, um médico – e posso falar que, com poucas exceções, médicos não tem a leitura como hábito.

Cansei de ouvir expressões de surpresa quando, nas horas de tédio de um plantão diurno, tirei um livro da mala. Certo, as vezes eu leio coisas um pouco incomuns, mas isso acontecia mesmo quando eu levava coisas mais conhecidas. Em contrapartida, as únicas vezes que vi colegas com livros não técnicos, eram da Stephenie Meyer ou do Dráuzio Varella.

Não que eu veja problemas nisso: sou radicalmente contra as posturas que defendem a literatura como um valor a ser adotado por todas as pessoas, não acredito no poder civilizante e enobrecedor dos livros. Leio porque gosto, estudo literatura porque gosto.

Acontece que também não acredito que médicos conheçam a alma humana. Aliás, acho que médicos não sabem muita coisa a respeito de nada: mesmo dentro da medicina limitam-se em seus campos de especialidade, e pensam que o conhecimento que possuem é suficiente para tudo.

A única coisa que me perturba de verdade nisso tudo é o fato de os médicos dificilmente terem algum assunto que não seja profissional. Qualquer pessoa que tenha muitos parentes ou conhecidos médicos sabe como é: quando eles se juntam, só falam sobre medicina. Da minha parte, acho isso extremamente irritante.