O título causou polêmica quando do seu lançamento. Tornou o autor famoso. Permitiu-lhe debater publicamente sobre o tema, lado a lado com Umberto Eco. Prometeu ser o manual de autoajuda essencial de todos os estudantes – além de ser a mão-na-roda de que todo resenhista de livros precisa.

Quem se aventurar por essa leitura, se deparará não com a série de “regras e pequenos passos” tão típica da autoajuda, mas com um livro que visa destrinchar cada uma das dicas apresentadas por meio da exemplificação de livros e autores canônicos – dicas que, vale dizer, o autor utiliza no próprio livro: para citar obras que não leu, ele inventa passagens inexistentes em algumas delas, por exemplo. Ou seja, não tem o caráter vapt-vupt típico do gênero, ainda que não apresente maiores dificuldades e que a leitura flua rápido.Cada livro citado é marcado com siglas, tais como LD (livros desconhecidos), LF (livros meramente folheados), LO (livros obscuros) e LE (livros esquecidos, ainda que já lidos). A última categoria me interessou mais, haja vista não serem poucos os títulos que, ao serem comentados com outras pessoas que também os leram, parecem ter sido esquecidos totalmente: você se lembra de alguns detalhes dele; os outros se lembram de outros; e, aquele mais obcecado, que considerou-o “o livro de sua vida”, lembra de muitos outros que ninguém lembrou.

O autor discorre sobre o hábito de falar sobre livro que não lemos como um hábito institucionalizado na academia e no jornalismo cultural – no literário, em especial –, e que não haveria razão para o assunto não ser tratado francamente. Escreve sobre como basta saber posicionar o livro na biblioteca, saber em qual gênero ele se inclui, quais relações apresenta com as obras anteriores já produzidas pelo mesmo autor e pelos que o influenciaram.

Como falar dos livros que não lemos parece ser um interessante complemento a Como um romance, de Daniel Pennac. Ambos visam dessacralizar a leitura e a literatura, tomando pontos de partida diferentes. São como dois pais ideais para leitores inseguros: um diz “filhinho, ler não é um bicho-papão, não; ler pode ser superdivertido”; o outro diz “não liga pros coleguinhas que dizem que leram tudo; você não precisa ter lido tudo pra entrar na patota” e “que saber mais? nenhum deles leu tudo também!”. Legal, né?

Sim, é interessante. Mas não é nada que alguém que tenha pensado um pouco sobre seus hábitos literários não consiga pensar por conta própria. E, nisso, ambos os livros se aproximam terrivelmente dos manuais de autoajuda: não dizem nada que você não saiba. O que dá aquela desgostosa sensação de tempo perdido – ainda que, aqui e ali, você tenha lido algo realmente intrigante e sobre o qual não tenha pensado antes. Seriam, em certa medida, livros para não leitores ou, como falei anteriormente, para leitores inseguros. Possivelmente, uma contradição em termos.

Por fim, por melhor que seja desacademicizar a visão do hábito da leitura, acho particularmente ridícula a franqueza unilateral do autor. Ele admite no livro que fala de livros que não leu e finge que os leu. Por que não, simplesmente, admitir que não os leu (mas já leu/ouviu falar bastante sobre eles), que os folheou, que pretende lê-los eventualmente, que os leu há muito tempo e provavelmente esqueceu detalhes? Por que, numa suposta resenha literária, se dar ao trabalho de apresentar uma opinião abstrata (quando muito), quando o texto escrito não vai além de uma matéria que noticia o lançamento e cita pouca coisa além do release distribuído pela editora?

Ainda que eu não defenda que, antes de expressar cada opinião, a pessoa deva declarar o status de suas leituras – “Oi, meu nome é João e eu vou falar de um livro que li pela metade há dois anos” –, não vejo motivo para esse tipo de mentira (particularmente daninha para autores novos e contemporâneos: o resenhista/comentador/palestrante, ao perceber que aquele é um livro policial, por exemplo, usa seu tempo/espaço para falar/escrever sobre o gênero e seus expoentes, sem se dar a chance de descobrir algo que pode, eventualmente, fugir das categorias cimentadas em sua mente). Fingir ler um livro não lido, para, com isso, conseguir estabelecer um diálogo acadêmico e/ou impressionar uma plateia, não passa de uma forma de – em vez de combater publicamente a errônea ideia de que se precisa ter lido tudo – entrar no sistema alimentado por esta mesma ideia.

Até o dia em que todos que discutirão Shakespeare apaixonadamente, enquanto citam detalhes ínfimos e interpretações inusitadas, não terão saído de “Pluft, o Fantasminha”. E fingirão até as últimas consequências.