Com certeza, o que Ricardo Domeneck quer escrever não é mero exercício formal, exercício beletrista, mas sim explorar ao máximo todas as experiências que a poesia pode oferecer. Com outros livros já publicados, o paulista, nascido em 1977, hoje vive entre a Alemanha e o Brasil, elaborando seu trabalho de modo que incorpora para sua literatura tudo o que for possível, de Gertrude Stein a Kate Moss. Domeneck não limita sua atividade artística à poesia, buscando na performance, na música, no vídeo-arte e em gravações de leituras poéticas os meios para trabalhar com as questões que lhe são pertinentes. Além disso, também participa da edição das revistas Modo de Usar & Co. e HILDA Magazine e trabalha como DJ e produtor musical.

Em Sons: Arranjo: Garganta, obra de alguém tão dinâmico, são vários os elementos presentes em um percurso que vai desde questões de aspiração filosófica até pequenos dramas amorosos (que também não deixam de ser essenciais). Ainda assim, tudo isso parece chegar a nós, leitores, por um filtro de sensações físicas, de experiências com a luz, com a comida, com o corpo. Percebe-se aí que quase tudo no mundo pode ser matéria de um poema de Domeneck. Sons: Arranjo: Garganta talvez seja o momento em que o poeta pretende se concentrar na sua capacidade de lidar com a voz como matéria sonora, o que o leva inclusive a pensar unicamente no som em algumas composições. Há seções que se referem ao som do sentido ou ao sentido do som nas quais podemos ler o poema, afinal, temos ali palavras, mesmo que elas não signifiquem nada em nenhuma língua a princípio. Essa leitura parece só nos dar algum prazer quando o lemos em voz alta, realmente ouvindo o que falamos. Não é uma poesia puramente oral, afinal, oralidade praticamente todo poema pode ter. Trata-se de uma composição sonora, quase musical, já que temos voz, corpo, ação, sensibilidade no texto. A partir daí, parece que mesmo palavras aparentemente “sem sentido” ganham alguma razão de ser que somente a poesia poderia lhes fornecer.

Em muitos momentos, Domeneck parece quebrar com uma das razões da chamada “crise” da poesia brasileira, que nas últimas décadas foi sempre vista erroneamente como um dilema entre uma visão mais objetiva e formal (concretista) ou uma mais subjetiva e conteudística (marginal). Não há qualquer sintoma dessa “crise” na sua obra. Em Sons: Arranjo: Garganta o que há são exercícios que buscam retrabalhar constantemente as formas poéticas, porém, sempre se percebe o autor para além de um simples artífice literário, como se quisesse oferecer ao leitor mil maneiras de se experimentar o seu mundo. O poema que fecha o livro, “Cage of chance / Jaula do caos”, parece buscar explorar os mais diversos contextos (inclusive linguísticos, variando do português para o inglês a todo momento) a fim de encerrar ali a maior variedade de sensações possíveis. Para completar o universo desse texto, que parece ser tão amplo quanto “Um lance de dados”, de Mallarmé, referências não faltam, algumas inclusive apontadas em nota no final do volume.

Como pode se observar, Domeneck gosta de experimentar tudo o que a poesia nos permite, ver quais são os meios pelos quais ele pode expressar o que deseja, mas não acredito que seja possível chamá-lo de vanguardista. Ele já se encontra numa situação pós-vanguarda. Também não parece pretender simplesmente retomar o projeto de outro poeta. Talvez Domeneck esteja numa situação em que ele já sabe de tudo que se experimentou – isso é perceptível por todas as suas referências literárias – e quer ver quais são as experiências que realmente valem a pena ser retrabalhadas para a poesia hoje. Dentre outros autores da mesma coleção na qual Sons: Arranjo: Garganta foi publicada, a Ás de Colete (ed. Cosac Naify e 7 Letras), Domeneck se destaca como alguém que já produziu e ainda vai produzir muitos textos que valem a pena ser lidos.