Alguns nomes estão marcados de forma indelével no cânone literário da Rússia: Nikolai Gogol, Fiódor Dostoiévsky, Lev Tolstóv, Mikhail Bulgakhóv, Anton Tchekhov, Anna Akhmatova, Boris Pasternak e tantos outros. Um país tão grande e de história tão complexa, porém, tem muito mais escritores a oferecer do que o seu cânone comporta. Os que estão inscritos neste são, certamente, literatos grandiosos. Mas o oposto não é necessariamente verdade, pois muitos dos autores que, aos olhos do ocidente podem parecer meras notas de rodapé costumam ter uma obra de peso. É, certamente, o caso de Fiódor Sologub.

Professor de matemática de origem humilde, Sologub foi uma figura central do simbolismo russo – apesar do seu distanciamento com relação aos outros escritores da época. Era um bom prosador, poeta e dramaturgo e adquiriu renome justamente com O diabo mesquinho.

Antes de mais nada, preciso ressaltar o estranhamento que o livro me causou. Acostumado a ler, no tocante à prosa russa, ou romances contemporâneos ou então as narrativas febris de um Dostoiévisky, encontrei em O diabo mesquinho uma espécie de meio termo: existe um clima crescente de loucura, mas tudo tem um ar um tanto ridículo. O herói, o professor ginasial Ardalión Boríssytch Peredónov, é uma figura bastante perturbada. Não, porém, ao modo de um Raskolníkov: Peredónov tem qualquer coisa de patético, de odioso.

É, pois, um oportunista: vive com uma prima Varvára, que também é sua amante, e é – sabe-se lá por qual motivo – considerado um potencial noivo para várias mulheres da pequena cidade onde mora. Varvára, que no passado trabalhou para uma princesa, tenta fazer com que de amante ele passe a ser seu marido com a promessa de sua ex-patroa arranjar uma posição de inspetor ao seu esposo.

Indeciso quanto ao casamento e superexcitado com a promessa de um futuro cargo, torna-se cada vez mais desconfiado de tudo e todos, Ardalión Borissytch vê bruxarias, diabos e espiões em todos os lugares. Se alguém se alegra, é porque quer induzi-lo ao erro; se lhe oferecem uma xícara de chá, é porque deve haver veneno misturado à bebida. Em paralelo a vida da cidade descortina-se ao mesmo tempo monótona e depravada, com seus pequenos escândalos pueris e praticamente ignoráveis.

Ao fim o romance mostra-se bastante surpreendente, expondo matizes um tanto ignorados da literatura russa pré-revolucionária. É a primeira tradução de Moissei Mountian, com o auxílio de Aurora Fornoni Bernardini, e parece ser um trabalho bastante satisfatório. Conta ainda com ilustrações de Fabio Flaks, que captura o tom esquizofrênico da narrativa.