Trabalhar é, provavelmente, a coisa que o ser humano moderno mais faz. Portanto é mais do que natural que existam uma infinidade de reflexões a tal respeito, com os mais variados veredictos: desde o enobrecimento da alma até uma liberdade um tanto mórbida. A mais verdadeira das constatações, porém, é a que dá nome a esse livro do poeta italiano Cesare Pavese: Trabalhar cansa.
É essa, aliás, a tônica geral dos poemas do livro. Escrito logo após o autor ter defendido sua tese de doutorado, em que apontava para as concepções de trabalho presentes nos versos do norte-americano Whal Whitman, Trabalhar cansa defende as concepções do próprio Pavese a esse respeito. Mas é, também, fruto de um trabalho reflexivo profundo, em que o poeta propôs a si mesmo um projeto poético e tratou de estudar a melhor maneira de realizá-lo.
Um projeto que pode parecer simples, mas não é: criar uma nova forma de poesia narrativa. Não uma na qual cada poema narre um episódio separado, mas na qual o todo da coletânea forme uma intrincada série de pequenas narrativas, que se relacionam de alguma maneira. Isso tudo sem, no entanto, apelar para as vanguardas – que grassavam nos anos trinta do século XX, época em que o livro foi escrito – e nem ater-se à fórmulas tradicionais.
Ou seja: Pavese queria, conscientemente, renovar a poesia de seu tempo. E, para tal, formulou uma fórmula poética que dependeu da lógica e de um intrincado raciocínio.
Trabalho, provavelmente, bastante cansativo. Tanto que pode-se ver um desgaste da fórmula poética conforme os poemas vão se desenvolvendo cronologicamente: se os primeiros ainda são tentativas, como se Pavese lançasse mão de um método de tentativa e erro; os seguintes mostram essa forma bastante definida, madura; e os últimos começam a abandoná-la, paulatinamente: cumprida a missão o poeta cansou-se do trabalho que se dispôs a fazer, procurando novos horizontes.
Para o leitor, porém, a leitura não é nada cansativa. Muito pelo contrário, aliás: as historietas presentes nos poemas são bastante suaves, muitas delas chegando até a ser divertidas. Não excluem de si, porém, reflexões profundas sobre a vida – em especial a vida das pessoas simples, como operários, lavradores e prostitutas. Alguns poderiam ser canções de amor, enquanto outros poderiam ser histórias contadas num bar: sempre há, porém, uma marcação rítmica monótona o suficiente para que se impeça a canção ou a simples narrativa oral.
Não bastasse a própria potência da obra de Pavese, a edição lançada pela Cosac Naify traz ainda outros atrativos. É, por exemplo, um livro bastante bonito, encadernado em tecido. É, também, uma edição bilíngue (algo que acho, se não essencial, pelo menos bastante importante e interessante para livros de poesia traduzida). E conta com um excelente estudo introdutório feito pelo tradutor Maurício Santana Dias, além de um posfácio em que o próprio Pavese explicita seu projeto poético durante a época da composição do livro.
Trabalhar cansa é uma excelente adição ao catálogo – que, da minha perspectiva um pouco distante desse universo, confesso, me parece um pouco ralo – de literatura italiana traduzida ao português. Existe, afinal, muito mais do que Dante e Umberto Eco (por mais que os dois autores sejam, inegavelmente, excelentes).
Trabalhar cansa
De Cesare Pavese,
Tradução de Maurício Santana Dias.
Editora Cosac Naify
406 páginas
Saiba mais sobre essa e outras obras no site da Editora Cosac Naify
R$ 61,00