O romance é uma forma narrativa relativamente jovem. Isso, óbvio, se o compararmos com a poesia ou o drama: enquanto estes existem no mínimo desde a antiguidade, aquele formatou-se junto com a modernidade. E agora, em tempos de modernidade exacerbada, pode-se pensar o romance como a forma literária mais proeminente. A maioria das pessoas que estiver lendo isso, afinal, provavelmente lê romances com certa frequência. Poucos são os que podem dizer o mesmo sobre poesia ou drama.

A teoria literária de hoje, aliás, discorre longamente sobre o romance. Muitas vezes de maneira admirável. Muitos desses teóricos, porém, são apenas leitores. O que faz com que uma teorização a respeito do romance escrita por um romancista torne-se especialmente interessante. Especialmente quando se trata de um romancista tão renomado e tão interessante quanto o tcheco Milan Kundera, autor de, entre outros títulos, A Insustentável Leveza do Ser e A vida está em outro lugar. E eis que chegamos no alvo da presente resenha: A cortina: ensaio em sete partes.

Como o subtítulo deixa bastante claro, trata-se de um ensaio dividido em  sete partes. Um ensaio, vale lembrar, não é um texto extremamente rigoroso academicamente falando. Ou seja: Kundera não se perde em longos solilóquios conceituais e nem recorre a inúmeras citações de autoridades. Antes reflete sobre sua vivência e suas leituras. Dividindo o livro em (tcharam!) sete partes: “Conscência da continuidade”; “Die Weltliteratur; “Adentrar a alma das coisas”; “O que é um romancista?”; “Estética e existência”; “A cortina rasgada”; e, por fim, “O romance, a memória e o esquecimento”.

Apesar de cada uma dessas partes ter um enfoque específico, o conjunto é bastante coeso: utilizando-se de exemplos diversos, como o Dom Quixote, de Cervantes, Madame Bovary, de Flaubert, Ferdydurke, de Gombrowicz e O homem sem qualidades, de Musil, e até Cem anos de solidão, de García Marques; Kundera desconstrói o conceito de romance, para reconstruí-lo sob uma ótica peculiar – mas não por isso menos certeira.

É a visão do homem que teve seu país dominado, que teve sua liberdade intelectual cerceada. Do autor que viveu o exílio – que tanto assustou alguns outros, como Imre Kertész e o poeta Czesław Miłosz, pela desconexão com a língua materna.

Para além das questões sobre o romance, o livro é interessante por citar uma grande quantidade de escritores e obras – o que pode abrir campo para leituras bastante relevantes – e também por lançar uma nova luz sobre os romances do próprio Kundera, mesmo que ele, elegantemente, não cite as próprias obras em momento algum.

A cortina: ensaio em sete partes

Autor: Milan Kundera

Tradução: Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca

Editora: Companhia das Letras

Páginas: 160

Preço sugerido: R$ 45,50

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