Já fazia algum tempo que eu queria ler A estrada do tabaco (1932), do escritor estadunidense Erskine Caldwell. Não poucas vezes eu tinha visto, ou lido, a respeito dessa obra como emblemática a respeito do rescaldo da crise de 29 sobre as populações dos Estados Unidos. Em várias fontes, ela é listada como representativa de um processo histórico pungente, que é conhecido mais a partir de suas características econômicas e quantitativas do que propriamente humanas.

Assim como em O pregador, Caldwell lida com as populações rurais dos Estados Unidos e suas peculiares visões de mundo, em especial com relação à religião e à terra. Os personagens são mostrados em toda a simplicidade rústica de suas vidas e de suas opiniões, dos outros e de si próprios.

A história gira em torno de uma família da região rural da Geórgia, os Lester, bem como das pessoas que com ela mantém algum tipo de relação, seja de parentesco ou de vizinhança. Jeeter Lester, o patriarca, encarna os valores das “antigas classes médias”, que valorizavam a terra e o trabalho duro e braçal que a agricultura exigia, olhando com temeridade para as modernidades, tais como juros, empréstimos, fábricas e quaisquer outras tecnologias. O “mundo” que ele costumava habitar está sendo aos poucos invadido por esses elementos estranhos, motivo pelo qual ele vive um dilema que desafia seus poderes de percepção e de ação.

Jeeter é casado com Ada e é pai de Dude, Pearl, Lizzie Belle, Ellie Mary, e outros mais. Era comum a família possuir tal quantidade de rebentos. Os Lester ganharam o direito de morar em sua terra e cultivá-la de um capitão que as possuía, no passado, garantindo que poderiam habitar ali tanto quanto quisessem. Acontece que a conjuntura econômica estava em recessão, o que, aliado às intempéries do clima, frustrara as colheitas e impedira Jeeter de conseguir recursos financeiros para voltar a ver suas terras verdejando de tabaco, algodão e guano.

Ao mesmo tempo em que essa possibilidade vai se fechando, outras possibilidades – bem menos convidativas – se apresentavam, entre elas o trabalho numa fábrica de fiação de algodão. Jeeter – para quem trabalhar na terra era a única atividade que sabia – acha essa ideia completamente estapafúrdia, ao passo que finca o pé na terra e obstinadamente comunica que dali não sairá. Todo o seu modo de vida e sua identidade estavam investidos naquela terra, deixá-la seria como deixar parte de si próprio. Ou seja, ele não quer sair da terra, mas não encontra uma maneira de conseguir mantê-la.

Caldwell retrata os agricultores com um misto de compaixão e impaciência, pois por um lado os descreve com uma “rusticidade ignorante” que faz quase as vezes de gracejo velado; por outro manifesta uma espécie de solidariedade por compreender como eles não tinham condições de enfrentar a ressaca que se abatia em nível sistêmico sobre os americanos no período.

Se em O pregador a religião apresentava-se moralmente questionável nas ações de Semon Dye, o pregador aproveitador; em A estrada do tabaco é a Irmã Bessie que aparece como uma espécie de “santo do pau oco”. Suas atitudes e seu passado escondem fatos que antagonizam com suas pregações. Os Lester passam a duvidar de Bessie enquanto Caldwell mostra como a miséria da situação histórica ensejava um questionamento profundo sobre as promessas da religião. Não são raras as imagens de subversão e repensar da religião na literatura do período, vide os livros de Steinbeck e de Upton Sinclair, por exemplo.

Não havia muito espaço para esperanças na realidade enfrentada por eles. Essa falta de esperança se materializa no tragicômico desfecho da história, que cristaliza a constatação de que o horizonte dos pequenos agricultores norte-americanos nos anos 30 estava realmente se fechando.

(Não há edição brasileira para esse livro, mas há uma edição portuguesa que saiu pela editora Europa-América que, com um pouco de sorte, dá para achar em algum sebo)