O escritor argentino César Aira é, provavelmente, um dos pináculos da literatura contemporânea de seu país. Talvez de toda a literatura em língua espanhola. Produz de maneira frenética e aos 63 anos tem por volta de oitenta livros publicados.

Por aqui é pouco conhecido – tem alguns contos publicados em coletâneas de literatura latino-americana, e mais um ou outro relato publicado de modo avulso. Parece-me que a sua obra mais substancial editada em português é este Pequeno Manual de Procedimentos – que, até onde eu sei, só foi publicado desta maneira no Brasil pela Arte & Letra.

O livro nada mais é do que uma coletânea de ensaios recolhidos das publicações mais diversas, como jornais, revistas literárias e até de aulas que o escritor deu mundo afora. A temática é afim – todos refletem ao redor dos caminhos adotados pela arte moderna. O uso do termo “arte” por Aira, vale dizer, é bastante lato, incluindo a boa e a má literatura, a charge e o que mais se puder imaginar.

São quase trinta textos em que Aira utiliza-se dos mais diversos caminhos para discutir a questão dos procedimentos, das vanguardas e do fazer artístico. Mais do que qualquer coisa que eu possa dizer sobre o livro, acho que a foto da capa é a melhor resenha: um carro antigo com o capô aberto e um homem sobre ele, provavelmente a desmontar o motor. É uma imagem, aliás, que aparece dentro do livro – e que é extremamente significativa para o contexto geral da coisa -, em que se discute justamente o quão consciente leitor e autor (ou qualquer outro par de criador/receptor) estão do fazer artístico.

Além disso, alguns ensaios parecem uma tentativa de Aira de explicitar seus ideais artísticos. O conjunto constrói praticamente uma confissão pessoal dos motivos que o levam, se não a escrever como escrever: cita sua preferência pelos clássicos da literatura e a impossibilidade de se tentar escrever como nesses livros; descreve, de modo mais ou menos pormenorizado, como a arte voltou a suas origens ao focar-se mais no processo que no produto final; reinterpreta (muitas vezes de modo singular) criações de nomes como Kafka e John Cage.

São reflexões de uma fineza incrível que demonstram um vasto conhecimento, tanto de uma cultura mais erudita, elevada, quanto de cultura pop.  Acredito que, lendo-se o livro com atenção, seja impossível não parar para pensar nas relações que o autor cria entre esses dois campos considerados tão distantes – distância que nem sempre rejeita, mas muitas vezes acentua e mostra necessária, como quando defende (ou não, mas a discussão não cabe aqui, ao menos agora) os best sellers .

Mas acredito que não seja exatamente o lugar ideal para se conhecer o Aira literário. A natureza dos textos, afinal, não é a do relato, mas a da reflexão. Quiçá para quem busca um material crítico singular, o livro seja uma boa pedida. Ou para quem já conhece a obra do argentino e gostaria de saber um pouco mais sobre os mecanismos que ele ambiciona por em movimento ao escrever contos como o bizarríssimo (e excelente) Mil gotas.