por Felippe Cordeiro e Taize Odelli

A literatura se dobra sobre si mesma, mas abre a conversa entre as pessoas. Com isso, Paulo Roberto Pires abriu a mediação da segunda mesa da Flip 2012, falando sobre o que uniu Enrique Vila-Matas e Alejandro Zambra em “Apenas literatura”: o uso de referências dentro de suas obras. Com esse tema os dois escritores dialogaram sobre a honestidade dentro da literatura, de admitir que ela não é original, inédita, mas sim que baseia-se em várias obras, em todos os elementos da cultura, para ser criada. “Há pessoas na Espanha que acreditam serem os primeiros. Aqui também. Não há memória cultural”, disse Vila-Matas sobre como cita o que já foi escrito para compor seus próprios livros.

Com uma cara um pouco mais fechada, Enrique Vila-Matas soltou uma gafe, “Esqueci de trazer o livro para ler um trecho”. O anúncio quebrou o clima tenso de um autor que não tem papas na língua. Após conseguir um exemplar de Ar de Dylan, inédito no Brasil, o escritor de Barcelona, conhecido por obras como Bartleby & Companhia, Doutor Passavento e o mais recente Dublinesca, leu um trecho que tenta explicar o que ele classificou como livro-rascunho.

Alejandro Zambra, por sua vez, arriscou um português – que conseguiu aprender em uma hora, incentivado por meia garrafa de cachaça – para ler a primeira parte de seu livro Bonsai. Não satisfeito, voltou ao bom e velho espanhol para continuar a leitura do curto romance e afirmar que pensou primeiro no título e no conceito de um bonsai para escrevê-lo. “Não quero que o leitor se interesse apenas pelo final. Se você continua a ler sabendo do final, é porque outra coisa lhe interessa”, disse ele sobre a “honestidade” que buscou ao dar para o leitor o desfecho da história logo na primeira frase do romance. Ainda sobre Bonsai, comentou que inicialmente desejava fazer dele um “livro-objeto”, que pudesse ser manuseado pelo leitor e interagisse com ele não apenas com a própria história, para resgatar o caráter físico que disse estar se perdendo com a leitura digital.

Vila-Matas afirmou que o tema central de seu último livro era a ambiguidade, que ele nunca estaria completo e, como qualquer obra dele, o interessante era o planejamento, o processo. Dessa forma abriu uma discussão sobre a arte inacabada, citando, inclusive, o cineasta François Truffaut. Para completar as ideias apresentadas, o escritor afirmou não se envergonhar de buscar a inspiração em autores que vieram antes dele, pois, na verdade, negá-los seria um crime. Zambra concordou com o companheiro de profissão, “A ideia de ser ajudado pelos mortos, aqueles que vieram antes, é importante pra contribuir na obra de um novo escritor”, completou.

Iniciou-se uma discussão divertida sobre livros indicados sem serem lidos, Vila-Matas soltou uma piada, que mostrou que seu semblante sério é apenas fachada, falando sobre o último livro que leu que versa sobre “lugares que não visitamos”, em referência a Como falar de livros que não lemos. Zambra lembrou de um amigo que sempre lhe diz: “Eu li e não gostei desse livro. Mas você vai gostar”. A partir desse ponto, a conversa migrou para a amizade entre Roberto Bolaño e Vila-Matas.

Ao falar de Bolaño, Vila-Matas recordou a primeira vez em que se encontraram, quando sua leitura foi recomendada pela sua esposa de quem Roberto Bolaño era aluno. Lembrou, inclusive, do que o filho de Bolaño disse neste encontro: “Papai, esse senhor vai beber todo o nosso vinho”. Zambra, que não conheceu seu conterrâneo pessoalmente, resgatou seus tempos como crítico literário no Chile e comentou como outros escritores chilenos da geração de Bolaño receberam mal todo o foco efusivo que a crítica do país deu a ele, alegando que não era um escritor “tão bom assim”. “É muito fácil dizer porque não gostamos de um livro, mas é difícil dizer porque gostamos sem cair numa linguagem de elogios”, comentou.

Sobre a profissão, Zambra foi enfático: “A literatura parece ser um trabalho muito solitário. Mas há momentos como esse que estamos compartilhando”. E Vila-Matas: “Nos damos conta de que sofremos o mesmo. Todos os escritores são iguais”, completou. Sendo fiel à proposta da mesa, apenas a literatura foi a grande protagonista da fala de Enrique Vila-Matas e Alejandro Zambra, que como bem destacaram, constrói uma memória cultural muitas vezes ignorada por outros escritores, mas não por eles.