Toda a seriedade que se esperava do nome principal da Flip 2012 foi quebrada logo que Jonathan Franzen entrou bailando no palco da tenda dos autores. Alguns assuntos sérios foram abordados ao longo da entrevista, mas o clima geral foi de franca descontração. Assim como as demais, a mesa deveria ser aberta com a leitura de um trecho de um livro de Franzen, mas foi preciso encontrar um exemplar, em inglês, de Liberdade entre a plateia, já que o autor esquecera o seu. “É um livro muito grande para se trazer… dos Estados Unidos”, brincou ele.

Entre as principais obras de Franzen, tanto Liberdade quanto As Correções falam de famílias infelizes. Esse ponto foi destacado pelo mediador para abrir a entrevista, citando a famosa frase inicial de Anna Karenina, “todas as famílias felizes se parecem, mas cada família infeliz é infeliz a sua maneira”, para perguntar a Franzen de onde vinha seu interesse por famílias infelizes. Depois de uma breve reflexão, o escritor afirmou que não havia sido infeliz, mas levantou em seguida a questão: se tudo estivesse bem com uma pessoa, por que alguém leria sobre ela? Os escritores, portanto, exageram os piores momentos. A vida comum não é suficiente para os leitores, por isso os escritores tendem a pular os melhores momentos e se concentrar nos conflitos.

Em seguida, foi abordada uma questão frequentemente associada a Liberdade: seria o livro uma resposta aos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001? Franzen foi incisivo ao dizer que não. Segundo ele, os eventos de 11/09 foram exagerados pela mídia e levados para um outro nível político. Desde os primeiros dias, ele disse, repetiu-se mil vezes que o país havia sido mudado para sempre. Nesse contexto, a atenção se voltava, insistente, para os artistas: qual seria a visão do artista sobre 11/09? Qual a visão do romancista sobre 11/09? Foi para evitar a “midialização” e “politificação” desses eventos que ele precisou esperar até que tivessem baixado as expectativas para que pudesse incorporá-los em sua obra.

Sobre a construção de Liberdade, Franzen revelou que a história surgiu em 2003, quando se encontrou com uma voz particular, que já veio desde o princípio com um nome: Patty. Embora o nome da personagem tenha sido mantido, muito foi mudado com o tempo. Inicialmente aquela voz lhe havia parecido suficiente para um romance curto, sobre tempos universitários. Também lhe incomodou a princípio o fato de se tratar de uma voz feminina. Ele próprio, como nos contou, havia criticado escritores americanos mais jovens por explorarem vozes femininas, que sempre lhe pareceram desconfortáveis (itchy foi o termo que usou).

“Alguma coisa que eu estou dizendo faz sentido?” Esse comentário, assim como sucessivas pausas entre cada pergunta, marcaram o encontro. Franzen deu respostas longas, muitas vezes comentando casos e divagações. É como ele disse na coletiva realizada no dia 05: “O Brasil está me deixando filosófico”.

Em um momento mais sério da conversa, Franzen foi perguntado sobre um ensaio que escreveu em 96, que acaba de ser publicado na antologia “Como ficar sozinho”. No texto em questão, ele criticava a industria editorial americana. O autor respondeu que ainda hoje sente que existem três categorias de escritores: Os super-estrelas, os estrelas e os ninguéns. Ele atentou que cada vez mais, ou você é lido por milhões ou por nenhuma pessoa, não existindo quase espaço algum para os “escritores médios”. Voltando ao tom brincalhão da conversa, ele brincou ao dizer que, na época em que escreveu o ensaio, ele era um ninguém, mas que se sentia como Jennifer Lopez em “Don’t be fooled by the rocks that I’ve got”. A comparação inesperada arrancou risadas do público.

Ainda falando sobre a fama, ele comentou sobre a revista Times, da qual havia criticado anos atrás pela superficialidade na escolha de autores para sua capa, mas acabou sendo ele mesmo a irônica “vítima” da publicação, ao virar capa da revista em agosto de 2010.

Outro ponto mais sério foi quando ele citou o amigo e escritor David Foster Wallace, contando sobre como era a relação de ambos: “Éramos como irmãos.” Irmãos, ele disse, amam um ao outro, mas querem também ser o outro. Havia, portanto, uma inveja saudável entre eles: ao escrever bem, Franzen poderia fazer DFW se sentir mal, e vice-versa. A morte de seu amigo lhe causou muita raiva, não apenas pelas suas circunstâncias, mas principalmente pela maneira como de repente lhe parecia que seu amigo havia sido tirado dele, para ser transformado em uma figura mítica e diferente. Seria uma fraude, e fraudes o irritam. Dito isso, alguém da plateia tentou puxar palmas, mas, vendo que o clima ficou sério e que ninguém manifestou aplauso, a pessoa parou. O ato não passou desapercebido por Franzen, que incentivou, dizendo que as palmas eram apropriadas para mudar de assunto

Ainda sobre a concepçãoem Liberdade, Franzen comentou que talvez tenhamos sido levados a nos acostumar com uma visão incorreta do que seja liberdade. Para um jovem de 16 anos, ele disse, liberdade significa não sofrer restrições, não ter que seguir regras, ser livre para dizer: “me deixe em paz”. Mas isso valeria também para alguém com 45? O escritor não fechou a questão, mas observou também que existe hoje nos Estados Unidos uma associação muito ligeira entre “maior número de opções” e “mais liberdade”, como se o fato de existirem 78 opções de cortinas de banheiro em uma Bed, Bath & Beyond (arrancando mais risos da plateia ao exagerar o presunçoso nome da rede de varejo americana) nos fizesse mais livres.

Franzen, já um pouco cansado, parecia se desviar de questões mais graves. Quando questionado sobre uma afirmação que fizera, de que buscaria transparência em suas obras, ele brincou levantando seu livro e dizendo que era bastante transparente – a raios cósmicos. Mas como em outros momentos, logo retomou o aspecto sério do tema, explicando que seu objetivo como escritor seria não deslocar a atenção do leitor, não apenas por algo eventualmente mal escrito, mas também pelo excessivamente precioso. Como escritor, ele disse, sempre retorna a assuntos que o incomodam, como a terrível realidade da morte, e que espera transmiti-los ao leitor através de seus personagens, no que a língua não deve ser um obstáculo.

A última pergunta do encontro foi um questionamento sobre a vontade do autor parar de escrever. Surpreendentemente, ele respondeu de forma sucinta: “Não nos últimos 9 dias. Mais alguma pergunta?”. Ao perceber que aquele era o encerramento da conversa, ele retomou a questão, dizendo “Ok, talvez há 10 dias. Não. Há 2 dias eu pensei. Na verdade, temo que descubram que eu sou uma fraude.”, declarou, brincando. Franzen se despediu com aplausos da Tenda de Autores.

 

(texto parceiro de Gigio e Dindii)