A Grande Depressão foi um dos mais negros períodos da História norte-americana. O boom econômico que os Estados Unidos experimentaram durante a década de 20 – resultado, em grande medida, da reconstrução européia no pós-Primeira Guerra Mundial – não podia se sustentar por muito tempo, não só por sua proporção mas também por sua “natureza”.

Não foi só pela ciclópica extensão e intensidade de seu crescimento que a economia norte-americana não se manteve em pé, mas também seu caráter especulativo. Fortunas eram criadas do dia para a noite por meio de ações, jogadas na bolsa de valores, investimentos financeiros etc., baseados em garantias frágeis e por demais “abstratas” para durarem. Nessa crise o capital financeiro (que, aliás, se tornava cada vez mais onipresente) teve papel principal. Foi seu assomo também que desempenhou papel central na “reconstrução” do pós-crise. Lembrando, obviamente, que essa “reconstrução” foi para estratos específicos da sociedade, e não para todos, como pode, porventura, parecer.

Enquanto a economia mantinha-se num equilíbrio muitíssimo instável nos pregões da bolsa de Nova York, no outro lado do país, nas amplas paragens agrícolas da Califórnia, o jovem John Steinbeck via as pequenas propriedades do estado se emaranharem cada vez mais nessa nova e complexa dinâmica econômica. A crise de 29 foi “somente” um dos pontos abissais de uma série de transformações de longa data, que concernia o funcionamento produtivo – e suas “manifestações” sociais – do país em toda a sua extensão. Não à toa, portanto, que o crack tenha se alastrado de forma tão avassaladora por tantos âmbitos diferentes sob tão múltiplas formas.

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Um dessas formas foi a decadência da pequena propriedade, engolida no rescaldo da crise pelas crescentes indústrias agrícolas. Essas baseavam-se na exploração extensiva e intensiva da terra em moldes amplamente capitalistas, seja por meio da tecnologia e da ciência, seja através de uma racionalidade profundamente dilapidada pelos expedientes financeiros da nova dinâmica econômica. Aquela, condenada, era marcada por um ritmo mais lento e o trabalho familiar, que se tornara economicamente inviável na nova realidade econômica.

Os migrantes que Steinbeck retrata em seus livros, em especial na sua opus magnus, As vinhas da ira, de 1939, são as vítimas diretas desse processo. Eles se viram privados de sua propriedade e de todas as garantias das quais gozavam anteriormente. Concomitantemente, eram atirados – despossuídos que passaram a ser -, numa realidade marcada pelo acirramento das desigualdades, sendo obrigados a serem trabalhadores agrícolas explorados e vilipendiados de forma sistêmica por uma realidade a eles profundamente hostil.

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Por isso é que, se você gostou de ler As vinhas da ira, certamente se interessará por…

…ver as fotos tiradas pela fotógrafa estadunidense Dorothea Lange.

Nos anos da Depressão, quando eleito, Franklin Delano Roosevelt criou, como parte das medidas do assim chamado New Deal (Novo Acordo), uma série de programas e órgãos governamentais destinados não só a prover, na medida do possível (i.e. muito timidamente), algum tipo de auxílio material às inúmeras famílias que se avolumavam pelas estradas do país; como também financiou artistas e escritores a retratar as mazelas que acompanharam esse processo.

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Expulsas de suas terras, as famílias vagavam pelas estradas do país em busca de trabalho e de condições mínimas de subsistência. Em especial as famílias cujas propriedades ficavam no Meio Oeste, na região chamada de Grandes Planícies (Great Plains), que fora violentamente atingida pelos dust bowls (tempestades de areia que devastavam as plantações e casas nos anos 30).

Dorothea Lange viajou pelas estradas do Oeste e Sul à soldo do FSA (Farm Security Administration), retratando a miséria e a precariedade existencial das famílias que haviam perdido tudo no rescaldo da crise de 29. Seus trabalhos revelam com toda a crueza o sentimento de angústia, vergonha e desespero que assolou essas populações em êxodo pelos Estados Unidos e se tornaram uma das mais emblemáticas imagens da crise.

Os Joad, família que protagoniza o romance de 1939, pode ser encarnada em qualquer uma das inúmeras famílias que Lange retratou. A dramática odisseia pela qual são obrigados a passar tem muito de suas facetas trágicas materializadas nos trabalhos da fotógrafa, e servem como um complemento tão pungente quanto chocante para as obras de Steinbeck. O espírito de indignação e estupefação que move a denúncia do escritor também ecoou profundamente nas obras da fotógrafa.