A poesia árabe é a mais antiga forma de literatura desse idioma, datando do século sexto – e, quiçá, ainda de antes, se considerarmos a poesia em forma oral. De maneira geral, manteve muitas de suas características através dos tempos: a divisão entre poesia rimada e poesia em prosa, a divisão em unidades métricas chamadas Seas e a sua contagem rigorosa. A única grande influência que a poesia árabe recebeu, parece-me, foi a da poesia persa.

O advento da modernidade – e pior ainda da contemporaneidade – porém, forçosamente levou a uma aproximação entre diversas alteridades, incluindo aí a dita ‘civilização ocidental’ e o ‘mundo árabe’. Um diálogo bastante peculiar mas que não poderia deixar de ter seus reflexos na literatura, em especial na poesia.

E, via de regra, considera-se que um dos primeiros (e, possivelmente, o mais importante) a fazer isso foi o poeta sírio Adonis. Considerado hoje como a principal voz da poesia árabe (o que talvez soe e seja um tanto superlativo, mas que serve de indicativo para a importância do autor), desde sua estreia ele conjugou elementos da poesia árabe tradicional com características da poesia ocidental – tanto clássica quanto moderna. É a partir desse triplo diálogo que ele constrói sua poética peculiar, tanto para a sensibilidade árabe quanto (e talvez ainda mais) para a ocidental.

Era, por isso mesmo, bastante notável a ausência de uma edição brasileira dos poemas de Adonis.  Eis que o vácuo começa a ser preenchido, com uma empreitada tão necessária quanto difícil, com a publicação da coletânea  Poemas, pela Companhia das Letras, com traduções de Michel Sleiman – professor de língua e literatura árabes na USP. Necessária, pelo peso de Adonis. Difícil justamente por esse peso e pela extensão e pluralidade da carreira do poeta.

A tarefa, entretanto, parece ser cumprida com êxito. Não conheço praticamente nada do idioma árabe, não podendo oferecer uma apreciação direta das traduções, mas tudo o que li parece-me em consonância com o que se diz a respeito do poeta – inclusive no ensaio introdutório assinado por Milton Hatoum – e com o que li nas traduções para outras línguas.

Quanto à seleção dos poemas, apesar de não abranger a totalidade da obra, parece-me bastante representativa. O livro foi divido em três seções, organizadas cronologicamente: 1957-1968, 1971-1988 e 1994-2003. Cada uma delas com poemas (ou trechos de poemas) retirados de diversos livros, numa coletânea que mostra bem a variabilidade existente na obra do poeta.

A primeira parte apresenta mais os poemas da ruptura de Adonis (e, com ele, da poesia árabe) com os preceitos poéticos tradicionais. São poemas que, segundo indica o tradutor, inovam e relativizam as formas existentes na poesia árabe. Na porção seguinte apresentam-se seus poemas mais politicamente engajados, que carregam qualquer coisa de supranacional. Por fim, na terceira parte estão alguns poemas escritos desde que o poeta exilou-se voluntariamente em Paris.

São fases bastante distintas, mas isso não significa que não haja um fio condutor, um élan adonisiano comum a todas essas fases. É, pois, uma poesia extremamente metafórica e que confere poder às palavras – são pintadas como a matéria-prima do mundo, o motor da vida. A poesia parece ser mais poderosa mesmo do que a realidade, transformando homens em plantas e plantas em conceitos. Evidenciam-se, também, as posturas políticas do poeta, humanista e pacifista radical.

Confesso que, muitas vezes, são poemas de leitura difícil. São, pois, poemas que pertencem, claramente, à esfera da cultura árabe – mas que, não obstante, encontram-se a meio caminho do ocidente. Mas, talvez, essa seja justamente a dificuldade de entendimento que paira sobre o chamado mundo árabe, que faz com que ele pareça tão radicalmente diferente aos olhos ocidentais.