Sofia Coppola é uma diretora de temas muito bem definidos: o tédio, a solidão, o vazio insuportável daqueles que têm tudo. Seus três primeiros filmes podem quase ser considerados uma “trilogia” sobre jovens mulheres em momentos de passagem, focando-se na melancolia, no tédio e no desejo (ou ausência dele), mas os últimos dois, ainda que não saiam do tema, mudam o foco: Coppola sai do universo íntimo e feminino e tenta olhar com acidez para o universo do luxo e do consumo.

A princípio ninguém melhor que ela para isso: Sofia pode fazer a crítica de dentro, ela cresceu em hotéis de luxo e Marc Jacobs é seu melhor amigo. Como alguém que cresceu em um universo “deslumbrante”, ela parece imune a qualquer deslumbramento, perfeitamente consciente do vazio das imagens projetadas por ele. Mas esse excesso de consciência, aliado ao tom condescendente, é um dos maiores problemas de Bling Ring.

O filme é baseado em um artigo da Vanity Fair, “Os Suspeitos Usavam Louboutin”, e guarda de seu original não só a história, mas o tom de perfil jornalístico. A diretora busca radiografar seus personagens, entender o que os levou a invadir casas de famosos e roubar seus pertences e a resposta é o inevitável clichê: estavam deslumbrados. Mas para alguém a quem encontrar Kirsten Dunst na balada é algo perfeitamente normal, talvez seja difícil entender o tipo de poder que uma celebridade pode exercer, e a impressão é que a diretora se afasta de seus personagens, observa-os por uma lente minunciosa e moralista que não os julga por serem ladrões, mas por se sentirem atraídos por celebridades.

O maior trunfo de Sofia como diretora estreante era justamente a sua sensibilidade. Em As Virgens Suicidas e Encontros e Desencontros, pouco se diz e muito se entende. Provavelmente porque falava de forma muito escancarada de si mesma, Sofia tratava seus personagens como seres a serem acolhidos, sua câmera era sempre suave, íntima, aproximava-se como uma amiga que evita invadir. Sua maior realização como cineasta talvez seja os minutos iniciais de Encontros e Desencontros, em que Scarlett Johansson fuma sentada na janela, olhando Tóquio lá embaixo e, sem que uma palavra seja dita, toda a personagem é apresentada ao espectador.

Nada pode ser mais distante dessa cena do que Bling Ring. A câmera distante, fria e julgadora é auxiliada pelos cortes muito secos, a montagem que tenta emular uma “estética de videoclipe” e falha, como se quase houvesse mérito em se falhar em algo que já é tão clichê.

Se há um talento da cineasta que permanece nesse filme é a capacidade de causar distanciamento pela trilha sonora. Em Maria Antonieta, o contraste entre o filme de época e a trilha sonora anos 80 acentuava o isolamento da protagonista e colocava o espectador na posição de quem assiste a um sofrimento de fora, ao invés de sofrer com o retratado, e essa posição é em si bastante sofrida. Mas nesse último filme o distanciamento é inútil, uma vez que o público já está distanciado dos personagens pelo próprio olho de Coppola, que é incapaz de se identificar.

A diretora trata seus protagonistas quase como animais raros em um museu, objetos de investigação que não devem causar qualquer sentimento em quem os olha, pois isso prejudicaria o estudo. O filme é tão um estudo de caso, que Marc (único homem membro da gangue e pelos olhos de quem “vemos” o filme) chega a afirmar que sua história é uma prova do fascínio mórbido da sociedade americana pelo modelo Bonny & Clyde. É um excesso de didatismo e um posicionamento tão claro que torna-se impossível acreditar que Sofia quisesse apenas contar aquela história, ou que ela a toque de qualquer maneira.

Outro ponto forte, mas que também acaba de forma mais ou menos inútil, é a ironia da diretora. Um senso de humor ácido e pronto a depreciar os outros já deu as caras em Encontros e Desencontros e nesse filme ele parece estar em casa. Estaria, se viesse na forma do julgamento sutil e obviamente enviesado de Charlotte, mas aqui a ponta de crueldade do humor de Coppola soa mais uma vez moralista, desqualifica os sujeitos de sua história e ridiculariza o próprio tema do filme.

Bling Ring é o filme mais distante da biografia, e da pessoa, de Sofia Coppola e parece me provar que seu campo é realmente a confissão e a autobiografia. O filme é aritificial, tão artificial quanto  a atuação de Emma Watson, que não consigo me decidir se é realmente ruim, ou propositalmente artificial, e em ambos os casos, acho que não funciona. Na tentativa de se aproximar da estética que critica, o filme acaba com problemas de montagem e figurinos maravilhosos. E uma diretora antes tão capaz de mergulhar no interior de seus personagens cria um exército de adolescentes sem qualquer vida interior.