Filmes falados em islandês, árabe e a língua que se fala no Laos que não tenho a menor ideia de qual seja e dois filmes com defeito, ou seja: o dia mais típico até agora.

Exército da Salvação – A história de Abdellah Taïa, primeiro escritor de origem árabe a assumir publicamente sua homossexualidade. O filme é dividido em duas partes: a infância em Casablanca, fazendo sexo com homens em cantos escuros e tentando se adequar à família opressora, e o início da vida adulta, em que ele usa o sexo como passaporte para a Suiça e uma vida melhor.

A primeira parte do filme é consideravelmente melhor: o ritmo arrastado emula o tédio e a lentidão dos dias de Abdellah e a devoção ao irmão e o deslocamento do menino dentro de sua própria família são bem retratados. A segunda parte, porém, é superficial e coloca um ator bastante incapaz no papel de Abdellah.

É um filme lento e irregular, que não chega a ser ruim, mas é dispensável.

The Deep – Em 1984 Gulli, um pescador islandês, sobreviveu ao naufrágio de seu barco nadando por seis horas seguidas no Atlântico Norte. O feito era considerado impossível, pela distância, o esforço e, principalmente, o frio, e sua sobrevivência foi chamada de milagre.

The Deep conta a história de Gulli desde o embarque no barco até os extensos exames realizados nele após o acidente. O personagem é muito bem construído, com um passado que aparece aos poucos e pontua eficientemente seu caráter. O cuidado na construção do protagonista e o talento do ator principal são os maiores trunfos do filme islandês, uma vez que é ele, sozinho, que carrega o longa. A narrativa é simples, os planos bem executados, e o filme toca e comove ao mesmo tempo que cria tensão.

O Foguete – Ahlo nasceu em uma pequena tribo do Laos que acredita que no caso de crianças gêmeas uma é abençoada e a outra amaldiçoada. Seu irmão gêmeo morreu no parto, mas a fama de portador de má sorte o acompanhou por toda a vida, especialmente após a morte da mãe. Quando sua família é realocada por conta da construção de uma hidrelétrica, ele conhece Kia e seu Tio Roxo, personagens tão párias quanto ele e que o convencem a se inscrever no festival de foguetes da região: se ganhasse o prêmio em dinheiro poderia salvar sua família e quebrar a “maldição”.

O Foguete é o tipo de filme que sabe usar os clichês a seu favor: o espectador sabe que o desenvolvimento da narrativa é óbvio, sabe que deve se emocionar, ficar tenso ou feliz em certas cenas, mas nada disso é um defeito pois o diretor conseguiu que você acreditasse na mágica. O grande mérito dessa mágica é das crianças, expressivas e fortes em suas atuações elas transmitem uma autenticidade com a qual é impossível não se encantar, e do maravilhoso e problemático Tio Roxo.

Mas além da história “conto de fadas” e das crianças adoráveis, o filme do australiano Kim Mordaunt toca nas memórias da guerra civil do Laos, da guerra do Vietnã e na herança que carrega o lugar mais bombardeado da terra. O Tio Roxo é um poço de memórias obscuras afogadas em álcool. O Foguete tem um roteiro bem amarrado, personagens excêntricos e cativantes e um fundo dolorido, e é o melhor filme que vi na Mostra até agora.