Morosidade. Inércia. Tédio.

Às vezes, a vida é muito parecida com certo romance de Tao Lin, intitulado Eeeee Eee Eeee, uma das coisas mais estranhas que li na vida. Acho muito difícil que seja traduzido para o português algum dia – a não ser que os posts do autor para a revista Vice (como aquele sobre a “Geração Cabisbaixa”) o tornem famoso e interessante para alguma editora.

Em Eeeee Eee Eeee, golfinhos e ursos e alces matam algumas celebridades (Elijah Wood, Salman Rushdie, Sean Penn), conversam com o protagonista (Andrew) e o incentivam a pensar em chacinas de vez em quando. Andrew está sempre cansado (11), deprimido (46) ou entediado (35) – entre parênteses, a quantidade de vezes que “tired”, “depressed” e “bored” aparecem no livro (dados obtidos graças à ferramenta de busca do Kindle).

Ainda bem que é só às vezes que a vida fica assim. Não sempre.

Em Cadê você, Bernadette?, romance de Maria Semple que resenharei em breve, há uma cena em que a protagonista sumida do título dá uma lição na filha – e, por tê-lo lido pouco depois de Eeeee Eee Eeee, a bronca pareceu se aplicar também aos personagens deste livro. Na cena em questão, o marido de Bernadette escreve uma carta à diretora de um colégio interno, entusiasmada com o currículo de Bee, a filha do casal. (Perdoem a tradução por não encontrar uma palavra mais plausível do que “entediada” para uma criança dizer.)

Já que estamos falando desse assunto, peço licença para contar a história da primeira e única vez em que Bee disse estar entediada. Bernadette e eu estávamos levando Bee e uma amiguinha, ambas na pré-escola, a uma festa de aniversário. Pegamos um engarrafamento. Grace disse: “Estou entediada.”

“É”, Bee a imitou, “estou entediada.”

Bernadette estacionou o carro, tirou seu cinto de segurança e virou-se para trás. “Muito bem”, ela disse às meninas. “Vocês estão entediadas. Então, vou lhes contar um segredinho sobre a vida. Vocês acham que está um tédio agora? Bem, só vai piorar. Quanto antes vocês aprenderem que SÃO VOCÊS que têm de tornar a vida interessante, melhor vai ser.”

O carão é bom. Mas, como diz um grande amigo, não tem dia fácil. Você sabe que as pessoas estão a uma mensagem de texto (ou do whatsapp) de distância, mas a inércia não o permite digitar sequer o “oi”. Você está na academia, já fez metade do treino, quando se pergunta: o que estou fazendo aqui mesmo? Tédio.

O bom de gostar de ler é saber que basta tirar um livro da estante colorida para sair desse estado. Como diz certo personagem em Todo dia, de David Levithan: “Todo dia sou uma pessoa diferente. Eu sou eu, sei que sou eu, mas também sou outra pessoa.” A perspectiva é animadora: você espera um novo Garota Exemplar, um novo Cloud Atlas, um novo Cadê você, Bernadette? e a probabilidade de encontrá-lo é enorme.

Mas não é bom que a literatura seja a única válvula de escape. Porque às vezes ela falha. Você vai com toda a boa vontade do mundo e se depara com um A peculiar tristeza guardada num bolo de limão. Ou então você vê que o novo livro de um de seus escritores favoritos é bem-bom-mas-inegavelmente-chato. Quando ler se torna praticamente a única coisa que você faz para se divertir (ou ficar bem ou relaxar ou espairecer), finda-se colocando muita pressão nesse relacionamento. Tipo namorada grudenta que não te deixa jogar futebol com os amigos.

Cinema costuma ser uma boa alternativa; no IMAX, melhor ainda. As duas últimas vezes em que fui nele com um amigo, vi filmes que considerei excelentes: Homem de aço e Gravidade. Ainda penso em rever este, no mesmo cinema. Não tem dia fácil, Sandra Bullock. Todas aquelas canetas flutuando na falta de gravidade me deram o que pensar… 1

Outra coisa boa é: marcar. Mesmo que você more em Curitiba, a capital brasileira do “Vamos marcar alguma coisa qualquer dia desses” – e que fica apenas nisso. Boas surpresas vêm disso: marcar. Eu retomei uma amizade para a qual não via conserto por causa desse verbo ordinário de tão simples. Marcar.

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Não tem dia fácil. Mas nessa retomada do “TOC do Tuca”, eu queria compartilhar uma lista de coisas que me fizeram muito bem em alguns desses dias difíceis (ao menos, as mais recentes). Se fez bem pra mim, vai que serve pra você também.

– Provar o Cinnamon Oblivion (no Outback).

– Ter o seu momento Audrey Tautou numa festa.

– Ganhar um exemplar de Noites de alface (Vanessa Barbara) e devorá-lo em dois tempos.

– Rir com a garçonete piadista que serve as pizzas doces num rodízio.

– Ver Gravidade no IMAX.

– Pedir pela primeira vez uma banana-split e comê-la sozinho. 2

– Receber um cartão postal direto da China.

– Ler Todos nós adorávamos caubóis (Carol Bensimon) e Hotel Mundo (Ali Smith) e Longe da árvore (Andrew Solomon) e Quatro soldados (Samir Machado de Machado).

– Assistir àqueles filmes esquecidos há tempos no HD do computador, tais como Medianeras, Weekend, Charade ou The Dark Knight Rises.

– Voltar a escrever sua coluna para o Posfácio.

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Três filmes muito bons vistos no cinema em tempos difíceis.

* Missão Impossível III

* Speed Racer

* Gravidade

  1. Se não desenvolvo o assunto é porque o Gui achou que eu viajei demais e eu tive de concordar com ele: já encheu o saco todo esse papo sobre metalinguagem.
  2. Metade desta lista não é recomendável para diabéticos.