Não leva nem cinco minutos para ler uma coluna como esta. Não importa se demorei uma hora ou duas semanas para escrevê-la.

Que o tempo é relativo, Einstein já provou. Dizem que ele costumava brincar afirmando que um minuto ao lado de uma bela mulher passa muito mais rápido do que um minuto segurando uma panela quente.

A melhor tirinha do mundo – não importa se escrita pela Laerte – não demora mais do que trinta segundos para ser lida. Às vezes, você até lê e relê por uns cinco minutinhos, mas logo aparece um gif de gatinhos imperdível.

*

Digamos que um cinema foi marcado para a sessão das dezenove horas, você chegou quinze minutos antes e agora são 19:01. Este um minuto (assim como os quinze anteriores) durou uma eternidade. Deu tempo para pensar na inevitável existência da confeitaria que sobrevoa a sua cabeça, cujos funcionários arremessam bolo atrás de bolo atrás de bolo atrás de bolo, e em como você deveria estar fazendo as malas pra viagem que fará poucas horas depois. Porém, às 19:14, ambos já entraram na sala e… quem liga para os trailers?

Meses depois (hipoteticamente, claro), há apenas cinco minutos de diferença entre a surpresa que é acordar ao lado de alguém de quem você gosta e o momento da despedida – mesmo que o relógio insista que esse chamego todo se deu entre 11:37 e 15:58. (Acho que já deu para entender, né?)

*

Conta-se que, certa vez, Picasso desenhava enquanto estava sentado em um café parisiense. Uma senhora que passava por ali (já ouvi a mesma história e era um garçom que cobrava a conta do pintor) questionou se ele era capaz de fazer um retrato dela e cobrar pelo desenho. Prontamente, Picasso pôs-se a traçar seu esboço e, ao finalizar o retrato, a cliente admirada perguntou o preço. “Cinco mil francos”, disse Picasso (na outra versão que ouvi, creio que eram dois milhões de dólares a soma pedida).

“Tudo isso? Mas você só levou alguns minutos”, respondeu a senhora. “Não”, disse ele, “levei minha vida inteira.”

*

A internet é esquisita. Se você faz um comentário sobre coisas lançadas (ou eventos ocorridos) há um mês, corre o risco de receber como réplica o bom e velho “Old!” – às vezes um “old but gold”, dos cidadãos mais bonzinhos. Mas, ao mesmo tempo – e eu não poderia enfatizar mais esse “ao mesmo tempo” –, tudo se torna contemporâneo, simultâneo, concomitante a tudo: tanto faz você acessar semanalmente um blog para ler a continuação de sua fanfic favorita ou descobri-la depois de concluída e devorar tudo de uma vez só.

No campo da literatura, dizem, ocorre algo parecido. Se o copo está meio vazio, você talvez seja aquele escritor que se desespera ao pensar que o seu livro recém-lançado entrou em competição direta com O Grande Gatsby, Dom Quixote e Harry Potter; se meio cheio, pode ser que goste da leitura de Só garotos como se estivesse ao lado de Patti Smith e Robert Mapplethorpe, como se a citação a seguir se referisse ao começo dos anos 10 deste século.

Os anos 60 estavam chegando ao fim. Robert e eu comemoramos nossos aniversários. Robert completou 23 anos. Depois eu completei 23. O número primo perfeito. Robert fez para mim um porta-gravatas com a imagem da Virgem Maria. Dei a ele sete caveiras de prata em um pedaço de couro. Ele usou as caveiras. Eu pus uma gravata. Estávamos prontos para os anos 70.
“É a nossa década”, ele disse.

*

Dois anos atrás ocorreu a Gibicon nº 1; na internet, isso tanto foi ontem como há três séculos. Gosto de quadrinhos, mas na época eu já tinha resolvido admitir que não sou especialista coisa nenhuma nessa expressão artística: não conheço muitos dos grandes nomes, desconheço quase todos os clássicos, nunca ouvi falar da maior parte dos independentes. Adoro e respeito os amigos que me instruem nesse sentido 1, assim como me dou o direito de ter minhas obsessões particulares. Uma delas é a obra do Ricardo Tokumoto, a única razão para eu não me esquecer de ir nessa Gibicon de 2012.

Não sei como descobri o RyotIras, mas lembro que ainda estava na faculdade. Teve um dia que resolvi ler todas as suas postagens, da mais nova até a mais antiga: cliquei tantas vezes em “página anterior” que cheguei a uma seção do blog cujo servidor de armazenamento de imagens não mais existia, o que me impediu de ler dezenas de publicações. Consegui, mesmo assim, acompanhar (e me divertir com) toda a sua trajetória em poucas horas, de graça, incluindo os vários “feliz aniversário” que ele me dera por alguns anos e eu nem tinha ficado sabendo – sou do time “copo meio cheio” e não acredito na explicação mais simples: a de que os nossos aniversários coincidiam, apenas.

Demorei anos para ter um smartphone – e, assim, não podia simplesmente lê-lo em qualquer lugar –, mas a compra de um dos zines do rapaz preservou minha sanidade mental durante as aulas de Direito Processual Penal. Aliás, não só a minha: compartilhei a hq com os colegas que me viam rindo enquanto o professor gritava sobre o paradigma da linguagem e batia na mesa pra falar do recheio de doce de leite de um biscoito, em uma analogia que nunca entendi. Na batalha entre o nonsense libertador das páginas e a loucura opressora da gritaria, Ricardo vencia e todos voltávamos mais leves pra casa.

(Já volto a essa história. É tudo simultâneo aqui, lembra?)

*

Três dias atrás estive na Gibicon nº 2 e na internet isso foi tanto, bem, três dias atrás mesmo como há duas décadas. Não é como se o tempo estivesse sobrando – spoiler alert: não está! –, mas eu precisava ver uma quadrinista cuja trajetória acompanho desde a época de ouro de uma rede social vergonhosa para a qual ninguém liga mais: Samanta Flôor, a primeira pessoa que segui no Twitter.

Minha narrativa pessoal evoluiu de forma paralela aos quadrinhos da Sam: da fase mais adolescente (eu queria todos os postêres da moça) à das tiras mais autorais (Toscomics retratando nosso cotidiano atrapalhado), passando por um período mais pop e livre (comprei alguns originais, adesivos e uma camiseta com gravura estilo Kill Bill – devidamente roubada por alguém que há de me pagar! –, enquanto ela passava sutilmente dos coffee monsters para os beer monsters). Digamos que se eu fosse a Clarice Falcão cantando “Capitão Gancho” eu teria que espremer toscomics ou coffee monsters naquela estrofe final cantada num fôlego só.

Também compartilhei a hq da Samanta com os colegas – acho que numa aula de Direito de Família – e pude confirmar que quadrinhos funcionam melhor que Prozac. Adoro ver os outros rindo.

(Também já volto a essa história, calma. Aliás, é pra já!)

*

Assim como este ano fui ao evento apenas para ver a Samanta, em 2012 fui para a Gibicon só para ver o Ryot e pegar o RyotIras Omnibus, livro para o qual eu tinha contribuído no Catarse – uma bela maneira de se forçar a comparecer num evento e não ser apenas um dos tantos que marcam a presença no Facebook e não vão. E, quando falei para o autor que até tinha o RyotIras #2, ele me disse: “ah, então você conhece o meu trabalho há bastante tempo!”.

Era aí onde eu queria chegar com esse papo de cinco minutinhos: como assim “bastante tempo”? Eu fiz as contas e… três anos era muito tempo? Não consegui admitir ser considerado um fã antigo. Tudo bem ser fã (não tinha como negar: fui só pegar o livro e as recompensas e acabei comprando zines, postais, camiseta de panda e até o livro do cara que estava de bobeira ali do lado do Ricardo Tokumoto, só porque estava respirando o mesmo ar que este 2), mas fã antigo, do tipo que pode brigar com as pessoas dizendo que conhecia antes do cara ficar pop? Ah, esse direito eu não tinha3!

Mas e dez anos, é muito tempo? Se em sete anos todas as células dos nossos corpos são mesmo totalmente renovadas, eu não tenho nem a mesma composição de quando vi pela primeira vez um desenho da Samanta Flôor! E quem disse que consigo me considerar fã antigo dela? Se eu vier falar do coelho palhaço, as pessoas não vão entender nada: afinal, Samanta também mudou. E a cada mudança eu viro fã novo. Novamente.

Você entende o que quero dizer? Tudo, tudo simultâneo.

*

Na Gibicon nº 2, consegui encontrar ambos – seus estandes um do lado do outro. Sim, eu poderia ter aproveitado para conhecer coisas novas, mas adoro ter essas minhas pequenas obsessões.

Comprei um mangá com historinha dele (já li três vezes Starmind e o negócio é bom pacas; não bastasse o guri protagonista se chamar Arthur, vi ali muitos questionamentos meus sobre o que significa ser inteligente) e o segundo número do Manual da autodestruição (sonoplastia, por favor! quero “barulho de cérebro explodindo” para uma hq sobre as nossas dificuldades de passar as coisas pro papel), além de levar para autografar o fofíssimo O pequeno Song – um gibi para todas as idades que bem que podia ser mensal (alô, Maurício de Sousa!). Dela, comprei o segundo volume de Toscomics (acho que já tinha lido tudo e foi como rever um amigo antigo, daqueles que chegam chegando e chamam a gente pra visitá-lo em Paris) e os novos gibis Click (as hilárias aventuras de uma guria fofa espalhando morte e destruição por onde passa, sem querer querendo) e Três – algumas páginas autobiográficas sobre a infância (ufa, nem toda quadrinista passou pelo mesmo que a Alison Bechdel!).

E tirei selfies com eles, as quais já amarelaram na internet e eu já me vejo mostrando pros netinhos, enquanto estes colorem a 17ª edição de um almanacão que esses dois terão produzido juntos. Inclusive tirei uma com ambos para imitar a foto que vi há cinco anos (ou anteontem, na rede mundial de computadores), só pra provar a mim mesmo que eu tinha esquecido a vergonha na cara e virado o #loucodaselfie. Mas me segurei para não fotografar todas as páginas de suas obras para compartilhar no Twitter, pois quero os amigos comprando, não lendo na minha timeline.

E eu fiquei bastante feliz com os cinco minutinhos de prosa que tive com eles. Pelo menos, eu acho que foram só cinco minutinhos. Vai saber…

6tag_070914-141931

  1. Érico Assis (o tradutor mais fofo que conheço), Mitie (com sua loja maravilhosa de quadrinhos, a Itiban), Kanayama (que me apresentou a um monte de coisas internacionais que eu NUNCA teria dinheiro para comprar), Panhocawley (que me jogou dentro do mundo dos zines, dos autores independentes e do Bátima!): obrigado por tudo, gente.
  2. Love Hurts, do Murilo Martins, que é uma hq boa pra caramba, aliás.
  3. Contudo não reclamei quando ele me deu um postêr lindão e colorido de presente. Mas me segurei e não chorei na frente do rapaz.