Dia 8: Amores Apáticos

A Mostra às vezes é um martírio, então eu gostaria de agradecer aos realizadores dos filmes de hoje por não esticarem as coisas além do necessário. Blind Dates (Levan Koguashvili, 2013) é um dos poucos longas da Georgia a que assisti, e o primeiro de Koguashvili. Já dá pra notar que ele tem bastante talento e provavelmente vai se tornar bem popular, pelo menos entre o público de festivais. O filme é engraçado, muito bem atuado e conta uma história bastante universal que, não obstante, contém elementos periféricos bem regionais (aparentemente, futebol é tão importante lá quanto aqui).

Sandro é um professor de história taciturno e inexpressivo que parece um personagem do Kaurismaki. Ele tem 40 anos e ainda não se casou, fato do qual seus pais (com quem ainda mora) não o deixam esquecer. Essas interações com os pais são invariavelmente hilárias, especialmente por causa do ator que faz o pai, que tem uma capacidade ímpar para gerar humor atrás de falas ditas de forma brusca e impaciente.

Depois de um encontro duplo às escuras que não dá muito certo, Sandro e seu amigo Iva, o treinador do time de futebol feminino da escola, vão passar um dia no litoral, onde encontram uma das alunas e sua mãe, uma cabeleireira chamada Manana. Os quatro passam uma tarde divertida que leva Sandro a se apaixonar por Manana. O problema é que ela tem um marido na prisão, um homem ciumento que já havia sido preso uma vez por perfurar um amigo com um garfo.

Todos esses eventos são retratados em um ritmo paciente e deliberado, sem muitos incidentes. Assim que o marido é libertado, contudo, uma trama com várias surpresas e reviravoltas se instala, levando a narrativa para caminhos imprevisíveis e tragicômicos. Certas atitudes são meio difíceis de engolir, o que se deve principalmente ao protagonista ser uma incógnita cujas motivações não fazem muito sentido, mas o filme é suficientemente envolvente para isso não prejudicar muito a experiência.

Blind Dates entrelaça o estudo de um personagem passivo em uma procura frustrada por amor com características da vida na Georgia, como o crescimento do espaço das mulheres na sociedade (um elemento de destaque no primeiro ato é o recente estabelecimento do futebol feminino) e tensões envolvendo a presença de refugiados no local, sem se tornar didático ou forçar a barra em busca de uma “mensagem.”

***1/2 – Glaucoma

 

Ventos de Agosto (Gabriel Mascaro, 2014), por outro lado, é visualmente impressionante, mas um tanto banal. O filme segue dois protagonistas em uma vilazinha litorânea onde as casas não têm números e as pessoas levam uma vida simples e isolada: Shirley deixou a cidade grande para cuidar de sua avó. Ela trabalha em uma plantação de cocos, mas ouve punk rock e sonha em ser tatuadora. Seu namorado Jeison também trabalha na plantação, e mergulha para caçar* lagostas e polvos em suas horas livres.

Está óbvio desde o começo que Shirley não pertence a este local. Eventualmente, um pesquisador (interpretado pelo próprio diretor) aparece na vila para registrar o som dos ventos que emanam da Zona de Convergência Intertropical. O contraste gerado pela presença deste homem é gritante, o que pode levar à dedução de que um possível triângulo amoroso está sendo construído, mas isso não poderia estar mais longe do que acontece. A segunda metade do filme se concentra quase inteiramente em Jeison e uma obsessão por ele recém-adquirida.

O filme tem um ritmo lânguido e uma narrativa quase desprovida de conflito. É sobre a morte e o esquecimento, sobre a memória de nossa existência que resta após partirmos. Uma cena envolve um vendedor de retratos celebrando a ideia de manter recordações de pessoas falecidas, e um elemento visual importante é um cemitério construído na areia, onde o mar atinge os túmulos, eventualmente clamando os restos mortais ali enterrados.

Com uma fotografia elegante, um design sonoro chamativo (que frequentemente alterna entre silêncios quase absolutos e barulhos ensurdecedores em cortes inesperados) e uma duração que não força a boa vontade da plateia, Ventos de Agosto é suficientemente agradável, mas é difícil ignorar a sensação de que algo está faltando. Nenhuma cena é realmente marcante, e eu tenho certeza de que semana que vem já vou ter esquecido que assisti a esse filme.

**1/2 – Ventos e Ventanias

*Depto. de Semântica Inútil: “Pesca” é quando você fica fora da água.