Dia 10: Pombos e abelhas.

 

A fadiga cinematográfica está começando a se instalar. Depois de um tempo vendo filmes todo dia, às vezes vários seguidos, o cérebro começa a pregar peças. Eu realmente vi um soldado do século XVII entrando a cavalo em um bar e mandando todas as mulheres saírem ou só sonhei? Eu estou realmente há quatro horas no CineSesc ou eu já voltei para casa e estou alucinando tudo isso?

Enfim, talvez seja por esse cansaço mental que eu não tenha conseguido achar tanta graça em As Maravilhas (Alice Rohrwacher, 2014), vencedor do Grande Prêmio do Júri em Cannes (é tipo um segundo colocado, para aqueles que não são obcecados com esse tipo de coisa). Não me entendam mal, o filme é bom e merece ser visto no cinema, nem que seja só pela fotografia granulada e saturada que o faz parecer ter sido filmado nos anos 70, e por momentos simples como duas meninas fazendo questão de pisar em todas as poças do caminho ao voltar para casa.

É a história de uma família de apicultores que vive em uma fazenda na Itália, composta de um pai alemão perpetuamente mal humorado que resiste a mudanças ao ponto de parecer fazer questão de manter a família na pobreza (a modernidade interferindo em estilos de vida tradicionais é um tema importante), uma mãe italiana que já está perdendo a paciência com ele, e quatro filhas. A história é narrada pelo ponto de vista de Gelsomina, a filha mais velha, cuja entrada na adolescência começa a despertar anseios que sua vida atual provavelmente não será capaz de suprir.

Enquanto se concentra em contar uma história de maturação naturalista, o filme é ótimo; as cenas que se limitam a observar a vida da família têm uma atentividade admirável a detalhes da rotina na fazenda que, aliados à fotografia, me lembraram A Árvore dos Tamancos, um dos meus filmes italianos preferidos. Contudo, complicações surgem na forma de um menino alemão adotado pelo patriarca (é óbvio que ele ressente o fato de só ter filhas) e uma equipe de TV que alista as famílias locais em um concurso para celebrar os produtos das fazendas, premiando a família mais “tradicional.”

Esses elementos criam subtramas que não se encaixam muito bem no resto; ironicamente, os momentos mais “banais” aqui são os mais interessantes. Apesar de tudo convergir em uma cena tensa no final do segundo ato, o terceiro não consegue manter esse ímpeto de forma satisfatória, esticando as coisas desnecessariamente e caminhando para um final inquietante que, apesar de tematicamente relevante, não me pareceu merecido.

*** – favos 

Um Pombo Pousou num Galho Refletindo Sobre a Existência (Roy Andersson, 2014) é mais um filme que eu provavelmente teria incluído em minha programação só pelo título; o fato de trata-se da terceira parte da trilogia do Andersson sobre a condição humana tornou-o obrigatório. A primeira parte da trilogia, Canções do Segundo Andar, é um dos meus filmes preferidos de todos os tempos. Quando ele foi lançado em 2000, não havia nada parecido: trata-se de uma obra surreal e melancólica com um estilo idiossincrático sem precedentes.

Andersson levou sete anos para fazer a segunda parte, Vocês, os Vivos. Apesar de consideravelmente inferior, o filme ainda trazia alguns momentos transcedentais, especialmente uma cena envolvendo um trem, o único momento no longa onde a câmera se move. Após mais sete anos, Um Pombo… completa a trilogia com o mesmo domínio formal, mas os sinais de desgaste da fórmula que já eram aparentes em Vocês, Os Vivos estão aqui bem mais evidentes.

Os três filmes alternam vinhetas, cada uma delas filmada inteiramente em um único plano-sequência estático, onde situaçõs tragicômicas são dramatizadas por atores em maquiagens cadavéricas. Essas vinhetas apresentam alguns personagens recorrentes que ocasionalmente se cruzam, mas não há uma narrativa propriamente dita; causa e consequência são reduzidos a um mínimo e não há catarse ou pay-offs.

Um Pombo… tem seus momentos (os mais marcantes envolvem a história invadindo o presente; ver primeiro parágrafo), mas o Andersson meio que força a barra com os temas, especialmente perto do final, onde examinações da crueldade do ser humano chegam perigosamente perto de se tornarem sermões. Enfim, agora que ele completou sua tese, o que virá a seguir é uma incógnita. Caso o ritmo atual seja mantido, daqui a sete anos a gente descobre.

*** – praça da Sé