Enquanto a Raquel aproveita as férias dela, os outros três participantes do Adeus às Traças dão notícias de como está sendo a vida sem comprar livros. Ainda é 16 de janeiro, mas eles já têm o que contar:
Arthur Tertuliano
Prioridades: esse é um tema constante na análise. Sou especialista em fingir que as tenho bem definidas. Fingir pra geral, para os amigos, para a analista e, pior, para mim mesmo. Exemplo clássico: sempre quis ser escritor, mas, toda vez que reafirmo no divã “quero escrever”, a Srta L só me lembra que, se quisesse de verdade, já estaria escrevendo.
Para o Adeus às Traças, escolhi 40 títulos. O número é bonito, as fotos ficaram estilosas, e, no final, a prateleira que ficou mais capenguinha depois de tirar os livros foi a LGBT, o que me animou. Tinha tudo para estar feliz, mas, parafraseando Will Truman, if gay means happy, why am I so sad? As razões: esqueci justamente o livro que encarei todos os dias antes de dormir, pensando que desse ano não passava; além disso, o resultado final, montado para ser uma homenagem ao Leia Mulheres Curitiba e ao Leia LGBT, ficou com cheiro de culpa cristã. O livro chama Os tijolos nas paredes das casas, de Kate Tempest, autora que conheci na Flip; a culpa deixo para relatar aos poucos no confessionário do seu reality show literário favorito. Sei bem dos fetichistas de plantão por aqui.
Não terminei nenhum livro esses dias, mas já me vi querendo burlar as regras. Resumindo: descobri sem querer um livro de Elvira Vigna, achei baratinho na Estante Virtual e, melhor ainda, achei um sebo perto de casa para evitar o frete. Tudo de caso pensado para não deixar rastros: meu prédio não tem portaria, então minhas encomendas são recebidas por um amigo que, infelizmente, está sabendo deste projeto. Era meu aniversário, eu merecia! E, no final, eu podia dar o livro de presente… para alguém que me emprestasse logo em seguida.
O segredo para não fazer besteira? Confessar os planos para meus colegas de Adeus às Traças. Eles me demoveram da ideia e também se deram conta que o confessionário foi mesmo um bom investimento. No final, eu me agarro às palavras de Bruno Mattos, em áudio que não vou encontrar: “isso aqui é para ser divertido, não uma tortura”.
(Não importa se essa é a opinião da sua analista. Dessa vez, ela há de estar equivocada.)
Estou lendo: Meu ano de descanso e relaxamento, de Ottessa Moshfegh; Um exu em Nova York, de Cidinha da Silva. Livros que quis comprar: O jogo dos limites, de Elvira Vigna.
Bruno Mattos
O meu Adeus às Traças não poderia ter começado melhor. Minha leitura de réveillon foi o último livro que comprei em novembro do ano passado, uma aquisição em caráter de quase-urgência: o recém-lançado Nuestra parte de noche, da Mariana Enriquez. É um livro que estava ansiosíssimo para ler por ser de quem é, por se passar onde se passa (boa parte da trama ocorre perto da Tríplice Fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina, onde moro) e por tratar de temas como ocultismo, sociedades secretas e desaparecidos da ditadura argentina. Não incorro em hipérbole ao dizer que suas quase 700 páginas fizeram dele o meu novo livro favorito – título que não mudava de mãos havia mais de uma década.
Também gostei muito de, pela primeira vez na vida, tirar uma foto de pilha de livros; no caso, todos os que pretendo ler este ano. Por sugestão da Taize Odelli, todos os participantes do projeto tirarão uma foto semelhante. A ideia da brincadeira não é tentar ser fiel às fotos, mas utilizá-las para fins comparativos no final de dezembro, contrastando o que achávamos que leríamos e o que acabamos lendo de fato.
Menciono aqui dois episódios felizes. Se minha ideia é levar 2020 com maior leveza (depois do ano passado, não parece muito difícil), não pretendo abrir exceção para esse projeto. Nas redes sociais, além de superestimarem meu poder de compra e influência, algumas pessoas viram o desafio como algum tipo de martírio ou autopenitência. Não vejo as coisas desse jeito, e anseio pelo prazer de concluir leituras infinitamente postergadas, concretizar recomendações antigas de amigos ou tentar descobrir o que levou o Bruno de outras eras a comprar um livro pouco importante de Halldór Laxness ou trazer livros aleatórios de uma viagem a Buenos Aires. Pretendo, enfim, continuar encontrando felicidade em meus livros.
O que não quer dizer que já não tenha sentido o impulso de comprar mais livros. Não sabia da existência de uma edição de viagem de Onde está Wally? que reúne todos os livros originais em uma encadernação compacta, e minha reação imediata ao vê-la na casa de amigos foi checar o preço na Internet. Alguns dias depois, recebi uma indicação embasada de O nome da rosa. No entanto, mais do que me incomodarem, esses episódios reavivaram outros tipos de relação com os livros, para além da compra: afinal, tenho quase certeza de que os livros originais andam esquecidos em algum canto da casa de meus pais, assim como uma edição de Eco vendida em bancas na década de 2000. Talvez eu não encontre exatamente o que estou buscando, mas tenho certeza de que a busca renderá outros bons frutos.
Estou lendo: O romance luminoso, de Mario Levrero. Livros que quis comprar: Onde está Wally? (edição de viagem), de Martin Handford; O nome da rosa, de Umberto Eco.
Daniel Falkemback
Começou de vez o Adeus às Traças. Desde então, eu me vi resistindo ao hábito de comprar livros, como alguns que não comprei no ano passado. Lançamentos futuros desde já me deixam um pouco angustiado, mas, bem, terei que ter paciência. Como não me faltam leituras para fazer, sigo tranquilo no projeto.
Abri o ano com um romanção: Guerra e paz, do Liev Tolstói. Comprei a edição (bem bonita) da Cosac Naify na época das últimas promoções da editora e, é claro, nunca abri o volume depois disso. Já está valendo a pena a decisão: com certeza, vou demorar muito tempo nesse livro, então esperem várias menções a ele ao longo do ano. Adianto que está bem divertido ver a aristocracia russa do começo do século XIX falando em francês e vivendo dilemas absurdos, ao menos do nosso ponto de vista de reles mortais latino-americanos.
Uma outra leitura foi de poesia: Veludo violento, da Natasha Tinet, autora brasileira estreante. O livro dela ganhou uma resenha no Posfácio escrita pela Emanuela Siqueira, então vou deixar para vocês lerem sobre ele lá. Só digo que gostei muito e que é uma boa porta para você que talvez não conheça muito de poesia contemporânea. De prosa, li Um exu em Nova York, livro de contos da Cidinha da Silva, autora brasileira contemporânea. Foi uma leitura bem diferente para mim. Como o título já mostra, é uma obra que lida com a religiosidade afro-brasileira. Como sou distante tanto dessa vivência religiosa quanto de diversos aspectos da vida de uma mulher negra, foi uma experiência bem interessante de alteridade. Também devo dizer que esse livro não foi exatamente uma escolha minha, mas sim do Leia Mulheres Curitiba, cujo próximo encontro por aqui será neste sábado, dia 18. O Leia Mulheres, no caso, é um projeto nacional de clubes de leitura, que existe também em outras cidades, talvez na tua também.
Para ler o livro da Cidinha, fui à Biblioteca Pública do Paraná (BPP) para pegar um exemplar. Nosso objetivo no Adeus às Traças é deixar o consumismo de lado e de fato ler livros. Daí a razão de fazer empréstimos de bibliotecas, instituições muitas vezes menosprezadas por governos e por parte da população. Sei que, infelizmente, tal serviço não é acessível para a maioria das pessoas, mas acho que cabe aos contemplados aproveitar esse privilégio, que, na verdade, deveria ser universal e de boa qualidade. Por exemplo, na BPP, além de Um exu em Nova York, também pude pegar emprestado Gabriela, cravo e canela, o romance do Jorge Amado. Essa segunda leitura, ainda em andamento, é para outro clube de leitura, de amigos meus que querem ler vencedores do Jabuti. O livro venceu na categoria romance lá em 1959, na primeira edição do prêmio, e até agora está sendo uma leitura bem boa.
Enfim, o que posso dizer é que não estou nada arrependido de participar do projeto. Acho que os outros participantes também sentem isso. Mas, é claro, o ano mal começou.
Estou lendo: Guerra e paz, de Liev Tolstói; Gabriela, cravo e canela, de Jorge Amado. Livros que quis comprar: Preocupações, de Ana Guadalupe; Odes a Maximin e Doze cartas, de Ricardo Domeneck.
Grata pela menção ao meu “Um Exu em Nova York”.
A gente que agradece por nos proporcionar uma boa leitura!
A edição de viagem de onde está Wally é uma cilada: se já era difícil achar o Wally em tamanho originam, imagine em tamanho reduzido.
Até percebi isso, Carla, mas mesmo assim deu vontade hahahaha (eu tenho uma visão privilegiada, até rola).
Privilegiado, sim!