Temos para hoje quatro poemas de Henrique Provinzano Amaral, doutorando em Letras Estrangeiras e Tradução na USP. Como tradutor, publicou Estilhaços: antologia de poesia haitiana contemporânea (Selo Demônio Negro, 2020). Também é autor de Quatro cantos (Editora Patuá, no prelo), ao qual pertencem estes poemas.


Noturno

Noite quente na varanda
e você me pergunta
pelos filhos que nunca tive
ou terei

Eu finjo que respondo
enquanto palito os dentes
com o mesmo palito
com que belisquei os queijos
canibal!
é tua réplica
e eu treplico que
para que Saturno
se podemos ver Netuno
logo ali
atrás das nuvens?

Beluga, Vesúvio
você que volta da chuva
os pelos ofegantes do peito
o lábio azul de dilúvio

Transamos

E depois eu adormeço
molhado
a teu lado
como o poeta René Depestre
nos sonhos de sua Hadriana


Diurno

Escorado no solo com o braço esquerdo
estico o direito e encontro
teu queixo
              dourado
(despojo de uma estátua antiga
ou de argivo presságio)
então aliso tua barba
como quem afaga as crinas
de um cavalo alado –
o cocheiro da carruagem do sol
ou simplesmente
              um Apolo viado

Em seguida coloco neste copo
um ramo de manjericão
um pouco de limão siciliano
três ou quatro azeitonas
              algumas pedrinhas de gelo
e te sirvo meu gin tônica
cítrico

Por fim peço desculpas
se não te dou meu coração
afinal
              diante do mediterrâneo
é preciso ser absolutamente lírico


Amor

Amor, eu te chamo pelo nome
em cada coisa que vejo
na boca de todo homem
que beijo (amo ou odeio)
e no rosto da tua flor

Talvez eu não mereça, Amor,
gozar o cheiro tocar o sexo
no meio de tuas pernas magras
para sentir no final do gesto
a já sabida saliva amarga

Pois do Amor só sei o Ódio
teu nome outro teu gêmeo:
touro atrás do pano vermelho –
meu coração preso na adaga
da palavra amor


Ofício

No abismo que tu cavas
              por ofício
(cavidade entre meu corpo e
teu corpo)
cabem dois pés
e nossas quatro mãos

Por pouco não couberam
as imóveis bocas
emudecidas
(enquanto à míngua esperam
              sem nós
nossas ásperas línguas)

O desejo é o de dentro
e o de fora
                           orifício
aberto
entre o aqui mesmo
e o agora