Foto: Reprodução/CNN Brasil

Chorei vendo o programa do Gregório Duvivier semana passada. Greg News sobre leveza. Chorei no final, mas também chorei no meio e em outros momentos. Chorei e ainda estou tentando entender o que me fez chorar de forma tão sentida, com soluço e nariz escorrendo. Marias e Clarices no solo do Brasil. O tema do programa veio de um pedido da então secretária de cultura numa entrevista que viralizou semanas atrás. Ela dizia que se negava a levar nas costas os mortos (da ditadura ou da Covid) e dizia que faltava para nós – aqueles que estavam perplexos com o que ouviam – leveza, alegria, pra frente Brasil, salve a seleção. Como disse Luiz Gê, “Ah, como era boa a ditadura”.

O tema, claro, foi tratado com ironia. O verdadeiro assunto era justamente o peso, e até certa gravidade que a arte, a boa arte, tem: as caveiras nos quadros, os esqueletos que sempre levamos justamente para não esquecer o que é (deveria ser) inesquecível, agora mais do que nunca. O assunto também me chamou a atenção porque terminei há poucos dias a releitura de Crime e castigo, talvez um dos livros mais importantes sobre a morte. Mais do que falar da morte, Raskolnikóv leva a reflexão ao pensar não sobre o que é morrer, mas quem merece viver. O que faz de cada pessoa que está viva, andando pela Terra, digna do ar que respira? O básico do enredo já é conhecido de quase todo mundo e tem, claro, a sua dose de genialidade. Mas nessa segunda leitura consegui olhar com mais atenção para os personagens que envolvem o plot central e me surpreendeu perceber como cada um tenta provar ao máximo que merece cada metro quadrado que ocupa em São Petersburgo. A morte, que é o final garantido, já não é novidade. Mas estar vivo é?

Há um poema, um de meus preferidos, que Maiakóvski escreveu em homenagem a seu amigo, o poeta Serguei Iessiênin, quando soube que ele havia se suicidado, que me emociona sempre. E – veja só, Regina – um poema sobre morte, despedida.

Até logo, até logo, companheiro,

guardo-te no meu peito e te asseguro:

o nosso afastamento passageiro

é sinal de um encontro no futuro.

Adeus, amigo, sem mãos nem palavras.

Não faças um sobrolho pensativo.

Se morrer, nesta vida, não é novo,

Tampouco há novidade em estar vivo.

A arte fala da morte porque a morte desafia quem está vivo o tempo todo: isso a gente vê nos livros e na vida. E, como o Gregório faz questão de mostrar no seu programa, Maiakovski endossa: morrer não é novo, estar vivo, muito menos. Debater a vida e a morte e, diante da inconclusão, criar: essa é a salvação humana. E é isso que nos é tomado quando a secretária da cultura vem a público pedir leveza, algo que só tem a audácia de pedir quem não conhece a arte. E tudo fica mais tangível ainda num momento como este, em que toda semana sofremos golpes vindos de todos os lados. Em especial, dói a partida daqueles em quem confiamos como guias, artistas que pensaram e moldaram o que vemos como arte brasileira.

Talvez agora fique mais claro porque fui às lágrimas no sábado vendo Greg News. Fazia um bom tempo que eu não conseguia me sentir confortável de ter apreço pelo Brasil, pela nossa arte, por aquilo que produzimos. O “orgulho nacional” me lembra das camisetas da CBF e me faz querer fugir de qualquer discurso de afeto sobre o país. Mas o Gregório me trouxe à memória como eu amo ser brasileira e ter nascido no país do Rubem Fonseca, do Aldir Blanc, do Moraes Moreira, do Flavio Migliaccio. Chorei porque tenho amor à nossa arte, a quem somos (e somos muito mais do que nos dizem hoje as notícias, os palanques, as senhoras-secretárias-cansadas-do-peso-dos-ossos-secos-que-pra-sempre-vai-carregar-sim). A morte do artista não é a morte da arte, isso é verdade. Mas o descaso com o artista é uma sentença para todos nós, que sabemos que não há novidade em estar vivo.