A incapacidade de conseguir uma fodinha casual por meios menos constrangedores me fez voltar aos apps de paquera no final do ano passado. Nunca fui boa nos flertes, na verdade. Pelo menos, não na vida off-line. Sempre dependi da internet meio que para tudo. Eu até criei um método de aproximação no Instagram: seguir o alvo, esperar ele postar alguma coisa que combine com meus interesses, começar uma conversa despretensiosa até que, pá, o cara me chame para sair. É um joguinho sutil sem ser assim tão sutil. O problema era que nem isso estava funcionando mais.

Voltei aos apps. Ouvi avaliações promissoras sobre o Bumble, em que eu poderia encontrar novas amizades, peguetes e oportunidades de trabalho (?). Ao baixar o aplicativo, vi logo que as opções eram animadoras: homens não exatamente bonitos, mas que tinham noção de ângulo, luz e poses para fotos sem parecerem héteros demais. Infelizmente, a maioria dos homens eram publicitários, mas não dá para esperar que um analista de sistemas saiba tirar boas selfies; essa é uma habilidade dos publicitários. Eles se vendem bem.

Ocorreram alguns matches, algumas conversas, pouquíssimos dates, como sempre aconteceu nos apps. A empolgação de voltar para essa vida dura dois ou três dias, até o momento em que você percebe que todas aquelas combinações não vão dar em nada. O Bumble me deixou babando por vários homens lindos que sequer cogitaram em dar aquele arrastinho para a direita, então foi uma coisa que mexeu bastante com minha autoestima. E também era um lugar com menos opções: em 10 minutos, você consegue zerar a lista de homens, dependendo dos filtros escolhidos.

Baixei também o Happn. Ele me rendeu boas conversas alguns anos atrás. E era mais segmentado na época, o novo app que pouca gente conhecia, por isso era mais seletivo – significa que os publicitários usavam ele, novamente pela qualidade das fotos postadas, etc. Meu objetivo era evitar o Tinder de todas as formas, em que tive as piores experiências de dates. O Happn é um meio termo entre Bumble e Tinder. Tem os homens sem noção de autoimagem, mas só o fato de eles conhecerem o Happn já indica um certo grau avançado de bom gosto. Exige um pouco mais de garimpo, mas se você procurar bem e tiver paciência, vai descobrir um cara bem ajeitadinho que mora no prédio ao lado. Com quem você nunca vai sair.

Mentira, consegui um date com um quase vizinho. Lindo, de esquerda, professor, intelectual, músico. Não era publicitário, então tirei a sorte grande. Três ou quatro dates depois: “Então, estou num momento meio complicado da minha vida, vejo que você está empolgada e disponível para me ver, mas eu não estou nessa vibe, desculpa”. Fiquei chateada, não vou mentir. Eu já me imaginava indo nos showzinhos dele em bares de gente tilelê para ouvir essas músicas brasileiras obscuras que não conheço, mas que até que são fofinhas. A culpa é minha, que sempre crio expectativas. Mas o que mais me chateou mesmo foi perder a foda do meio da tarde – das coisas boas de ser freela.

O Bumble e o Happn serviram bem para eu evitar o Tinder durante meses. Mas aí veio a quarentena. E a carência. E a vontade de, sei lá, me sentir gostosa através da avaliação alheia. Voltei para o Tinder – e desativei o Happn, porque estar em três apps ao mesmo tempo é desespero demais, e não quero demonstrar desespero (quem eu estou tentando enganar?). Para minha defesa, não fui a única pessoa que pensou em voltar para esse app. Os publicitários voltaram também. Mas, em menor número, não o suficiente para suplantar a grande quantidade de médicos e policiais que invadiu o app. Como sei? Porque eles fazem questão de usarem fotos de jaleco e farda nos perfis.

E fiz pior: voltei usando o Tinder Gold, para poder ver quem me deu like e encontrar alguém promissor que fosse além dos meus filtros – o que funcionou muito bem no Bumble, em que dei match com o cara mais bonitinho de todos nesse período, mas que hoje se reserva apenas a reagir aos meus stories com meus gatos no Instagram; é a vida. Em um dia de Tinder Gold, recebi mais de 5000 curtidas. Uau, eu arrasava. Eu era a deusa da beleza. Todo mundo me queria. Mas aí a realidade chegou com aquela voadora de dois pés no peito: a grande maioria dos likes veio de homens com quem eu jamais gostaria de sair. Não era só uma questão de beleza, era o pacote todo: gostos musicais, estéticos, falta de noção. Desses mais de 5000, digamos que 15% me interessavam. E só.

Refleti como é difícil a vida da mulher no app, ainda mais se ela está no Tinder. Ela tem que navegar por um mar de fotos com zoom estourado na cara, policiais militares ostentando suas armas, homens de óculos espelhados horríveis, ou pior, óculos Mormaii. Homens que claramente estão sem respirar em uma selfie no espelho tentando mostrar seus músculos. Tentativas de pseudonudes que falham miseravelmente porque a escolha da cor da cueca não ajudou – parecia que ele tinha se cagado e lambuzado, sabe? Que horror. Casais que procuram por uma “amiga divertida”, homens em busca de sugar babies – cara, eu tenho 30 anos, não posso mais ser sugar baby, nem se eu quisesse, por que você me deu like? Ou o pior dos piores: os clowns. Não entendo de onde vem o pensamento de que um homem vestido de palhaço é atraente. E um mistério que está me deixando intrigada até agora: qual é a do chapeuzinho de palha na praia que todo fã de raves usa na primeira foto do perfil? Acho que jamais saberei.

E essa é uma análise só baseada nas primeiras impressões, falta a análise do perfil em si. Posso ser extremamente chata – e sou – por colocar tantos filtros pessoais na escolha de uma transa casual. Mas é que eu levo muito a sério esse negócio de escolher para quem dar. Imagina se eu saísse com um eleitor do Amoêdo? Não que o Amoêdo seja pior que Bolsonaro, mas o bolsonarista, pelo menos, a gente identifica de longe.

A foto interessou a ponto de eu abrir o perfil todo, mas aí vem o grande show de horrores: poesias bregas (eu odeio poesia), contagem de pontinhos, “sei dobrar lençol de elástico” (ok, cara, parabéns por fazer o mínimo), “procuro uma companheira para a vida”, “sem mimimi”, “não sabe conversar então nem dá like” (frase típica do homem que joga toda a responsabilidade da conversa em cima da mulher), playlist com músicas brasileiras demais (deus me livre de sair com esquerdomacho), ou com rock tiozão demais (deus me livre de sair com quem, em pleno 2020, se considera roqueiro), as profissões “empresário” (deus me livre de sair com empreendedor), “escritor” (deus me livre e guarde), “poeta” (putaquepariu, sai satanás). A série preferida do cara é How I Met Your Mother porque ele se identifica demaaaaais com o Ted (ou pior, com o Barney). Ou ele se descreve da seguinte forma: barba e tatuagem. Eu posso ver pela suas fotos que você tem barba e tatuagem!!! Ou você gostaria de dizer que gosta de mulheres com barba e tatuagem???

Aí começo a baixar um pouco os critérios. Esse cara não é exatamente bonito, mas pelo menos não é fã de Los Hermanos. Olha, esse aqui ouve as mesmas bandas que eu, deve ser gente boa. Esse aqui fez uma piada horrível que amei. E o match acontece. E eu converso, e a conversa é bacana, mas o problema é que… zero atração física. Me sinto enganando todos esses caras porque eu sei que não terei vontade de sair com eles, nem agora, se pudesse, nem depois da quarentena. Desculpa, mas não vai rolar. Obrigada pela conversa.

É nesse momento que começo a me questionar sobre mim mesma. Praticamente uma reavaliação da vida. Porque, ao mesmo tempo que eu desprezo a maioria dos homens do Tinder, eu recebo zero atenção dos caras que realmente me interessam. Porque há, digamos, pelo menos cinco cidadãos com quem eu gostaria muito de sair. Dois deles deram match comigo nos aplicativos, mas o negócio não foi adiante. Os outros dois até estão nos apps, mas não deram aquele arrastinho tão desejado. Estar no Tinder, Bumble ou Happn é meio que comprovar a falta de interesse que os caras que eu quero têm comigo. E o interesse exacerbado que os caras que eu não quero têm. A evidência concreta da minha impossibilidade de sair com alguém que não é cuzão, por culpa minha e dos outros. Ninguém me dá uma chance, mas eu também não dou.

A conclusão, até agora, é a mesma que Xuxa chegou nos anos 1990: no Brasil, não há homem para mim. Mas em outros países provavelmente também não tem, algo que o Tinder Passport também me mostrou. A vida nos apps é infeliz, proporcionalmente infeliz à vida fora dele.