Captain Hook‘Uma espécie de Sherlock Holmes infantil com “a inteligência de um rapaz de 18 anos, ou um homem de 40 ou um sábio de 300, não necessariamente nessa ordem!!!'”
É assim que Peter Hook, seu criador, define Jim Young- um menino de 6 anos de idade que descobre, nó sótão de sua casa em Londres, a cronocicleta: uma máquina do tempo em forma de bicicleta construída por Maximiliam Max. Com ela, Young persegue Cagliostro Nostradamus Smith, o gênio do mal e ex-sócio de Maximiliam Max que, querendo a bicicleta especial de seu ex-sócio e enlouquecido por seu sobrenome infinitamente comum, sequestrou Raven e Lucy, respectivamente mãe e irmã do herói.
Em um dos primeiros livros da série, Jim Young and the Wonderland-Neverland-Pepperland Express, descobrimos que Cagliostro é doentiamente apaixonado por Alice Liddell, a inspiradora da Alice de Carroll. Ela, é claro, apaixona-se por Jim. E morre: acuada pelo vilão atira-se em um poço que acredita ser uma passagem para outra dimensão, porém é apenas um poço bastante fundo.
E foi assim que Peter Hook- filho do lendário e aristocrático Sebastian Djaardeling Compton-Lowe, compositor e vocalista da banda dos anos 60 ‘The Beaten Victorians’ ou ‘The Beaten’ ou, ainda, ‘the Victorians’- sagrou-se como autor de livros infantis.
Hook nasceu na psicodélica Londres dos ‘swinging sixties’ e teve uma infância traumática, o que talvez explique seu apaixonado e cáustico pensamento sobre a infância. Seus pais foram um tanto quanto negligentes, ao mesmo tempo em que endeusavam seu irmão Baco- morto aos três anos, quando brincava dom Peter e caiu da janela, no exato dia em que chegava às lojas o ‘Sargent Peppers Lonely Hearts Club Band’, dos Beatles- alvos ignorantes das juras de ódio de Compton-Lowe. E foi esse ódio que fez com que Hook se torna-se órfão: pouco depois da morte de seu irmão seus pais, quase enlouquecidos, decidiram ir à Índia antes do quarteto de Liverpool. Naufragaram, entretanto, no caminho, e Sebastian morreu. Sua esposa, Lady Alexandra Swinton-Menzies, afogou-se em uma piscina assim que recuperou-se do acidente que lhe tirou o marido.
A força que isso tudo exerceu sobre Hook pode ser o motivo de Jim Young ser incapaz de crescer: viajar no tempo vicia, aumenta sua inteligência e congela seu envelhecimento e emoções.
Mas, apesar desse matiz sombrio, a série ainda é um sucesso entre as crianças; inclusive está prestes a tornar-se um filme, protagonizado pelo jovem e promissor ator sino-americano Keiko Kai. Também as repercusões da obra são grandes (e polêmica): tão ou mais trágico quanto o jovem americano que se suicidou ao descobrir o final do último filme da série Harry Potter antes da estréia, crianças e pré-adolescentes formam gangues que atacam pais e professores para que estes desistam de fazê-los crescer.
Nada disso, entretanto, é real. Tudo que eu escrevi aqui sobre Peter Hook, Jim Young e Keiko Kai é parte do romance ‘Os Jardins de Kensington’, do argentino Rodrigo Fresán que, além disso tudo, narra- de modo um tanto intimista e pessimista- a vida de J. M. Barrie, o criador de Peter Pan.
Fresán, jornalista e escritor buenairense nascido em 1963, iniciou sua carreira em 1984, escrevendo sobre literatura, música, cultura e gastronomia em jornais de sua cidade natal. Em 1991 publicou seu primeiro livro, ‘História Argentina’, um volume de contos que foi best-seller em seu país e lhe rendeu críticas elogiosas. Seguiram-se a este debut ‘Vida de Santos’ (1993) e ‘Trabajos Manuales’ (1994), ambos de contos. Em 1995 publicou ‘Esperanto’, seu primeiro romance. Em 1998 publica ‘La Velocidad de las Cosas’- um meio termo entre conto e romance- e no ano seguinte se muda para Barcelona, onde publica ‘Mantra’ (2001) e ‘Jardins de Kensington’ (2003). Fresán diz que apenas publica seus livros, apenas os termina: em setembro próximo lançará uma edição ampliada de ‘História Argentina’ e, um mês depois, seu novo romance ‘El fundo del cielo’. Atualmente, além de escrever para o jornal argentino Página/12, se dedica a traduzir a obra de John Cheever e trabalha em duas novas novelas, ‘Pop’ e ‘Tsunami’.
O suplemento literário do The Times o definiou como ‘um Borges pop’. Mas essa alcunha é inexata, Fresán é muito mais que uma versão warholizada de seu mítico conterrâneo. Junto com escritores como Bellatin e Bolaño, ele mostra que a literatura latino-americana sobreviveu de forma louvável ao realismo mágico.
Bolaño, aliás, foi amigo pessoal de Fresán, e compartilharam idéias: tanto o chileno quanto o argentino mostram um paradoxal- Bolaño ganhava concursos literários para sustentar seus filhos, e Fresán teve todos seus livros na lista dos mais vendidos de seu país- desalento com a literatura- e, porque não, com a cultura- dos dias atuais.
Existem figuras recorrentes em seus textos como a mulher da piscina, o escritor moribundo e/ou enlouquecido pela solidão do ato de escrever, o assassino serial Petit Prince e as várias cidades de Sad Songs (ou Canciones Tristes). Essas alegorias bizarras juntam-se à literatura de horror e à ficção-científica para construir um universo eminentemente apocalíptico e vertiginosamente veloz- nada mais que um espelho minimamente distorcido de nosso tempo.

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