O realismo mágico é uma das correntes literárias mais famosas de todos os tempos. É, também, inequivocamente associada à América Latina e, em especial, ao escritor argentino Jorge Luis Borges. Pois que Angel Flores, o primeiro a utilizar o termo, situa o começo dessa espécie de literatura a partir de Historia universal de la infamia, do supracitado portenho.

O livro, cuja primeira edição data de 1935, é uma coleção de contos que – à exceção de Hombre de la esquina rosada – são histórias reais de criminosos. Borges, inclusive, cita as fontes nas quais pesquisou as biografias de seus vilões. Isso, porém, não implica em nenhuma espécie de compromisso com a veracidade: maiores ou menores, todos os contos apresentam divergências para com a bibliografia consultada.

Ao inserir o adjetivo universal no título, Borges não exagerou: seus criminosos vão desde uma pirata chinesa, que começou sua carreira de vilanias após a morte do marido, que fora duplamente traído pelo Império Chinês; até o famigerado cowboy criminoso, Billy the Kid. Há ainda o relato sobre um samurai que recusava-se a cometer o haraquiri após ter causado a morte de seu senhor e um falso profeta islâmico, que disfarçava sua hanseníase alegando esplendor divino.

O livro se divide em três sessões: a primeira, homônima ao livro, sobre a qual já falei. A segunda compreende apenas o conto Hombre de la esquina rosada, que destoa de todo o resto do livro. A terceira chama-se Etcétera, e é composta por relatos ainda mais breves, mas que retornam ao esquema de apropriação de coisas existentes em ouras fontes – notadamente, aqui, o Livro das mil e uma noites e a obra de Emmanuel Swedenborg.

Antes de terminar, cabe aqui falar sobre Hombre de la esquina rosada. Borges diz que é um conto ruim, quiçá seu pior. Chega a enuncia-lo como um erro. Eu não diria que concordo com o autor, mas existe certa carga de estranheza ali: é um conto sobre ‘um desconhecido que provoca outro desconhecido, sobre um desconhecido que chega a um bairro e desafia outro desconhecido a lutar’. Diz-se, porém, que é o conto de Borges que rendeu as melhores adaptações, incluindo aí teatro, cinema e ballet.

É difícil falar que um livro de Borges não é recomendável: quase tudo que ele escreveu é altamente recomendável. Mas vejo especial interesse nessa obra em tempos em que escritores como Bolaño fazem sucesso: reconhece-se muita coisa, seja reafirmada, seja negada, na obra do chileno.