Um livro de contos sobre a história de um país que não existe mais. Um romance sobre um país em que não gostar de futebol é um pecado capital, um país que gostaria de ser parte da Europa, mas não é. Historia Argentina– ou histeria argentina, como é definido a certa altura da narrativa- é o primeiro livro do argentino Rodrigo Fresán.
O livro abre com um conto sobre dois exploradores espanhóis um tanto quanto obtusos intelectualmente, Chivas e Gonçalves, narrando suas andanças pelo mundo. Não consegui identificar nenhum dos dois pesquisando sobre a história real do país, mas esse é, talvez, o maior charme da obra de Fresán: ele tomou a história de seu país para si e a distorceu como bem entendeu, tornando-a, por vezes, inverossímil mas, ainda assim, crível- pelo menos se pensarmos nos resultados finais, ou seja, na Argentina de hoje.
Um tema de peso no livro é a Guerra das Malvinas. Apesar de mostrar o absurdo dessa guerra- praticamente uma guerra colonialista no final do século XX- Fresán não utiliza de violência para isso. Ele usa personagens mais do que singulares, como o chef de cozinha indo-britânico que tenta infernizar a vida de seu aprendiz argentino ou o soldado argentino que tenta se fazer capturar pelas tropas britânicas para que, ao fim da guerra, seja liberto na Inglaterra e possa assistir um show dos Rolling Stones.
E é com esse misto de bizarria, erudição e um humor bastante elegante, mas pouco convencional, que Fresán desconstrói a história de seu país e a própria literatura. Ferramentas essas que ele reutilizaria em todos seus livros subseqüentes.
Essa demonstração do que viria a seguir, aliás, está presente também de forma mais palpável, já que o escritor já menciona a cidade de Sad Songs ou Canciones Tristes, a misteriosa fundação que fomenta os últimos escritores da Terra e mesmo as personagens obcecadas pelo ‘Aprendiz de Feiticeiro’ de Walt Disney e pelo rock inglês.
Historia Argentina talvez seja melhor apreciado com algum conhecimento prévio da história do país ao qual o título se refere. Mas talvez o contrário seja tão verdade quanto, ou mais ainda. Eu me encontro no segundo grupo, excetuando-se o episódio das Malvinas/Falkland e uma ou outra coisa mais recente eu não sei muito sobre esse nosso vizinho. Com certeza perdi algumas referências importantes. Por outro lado, no entanto, pude absorver algumas coisas sem a contaminação de quem conhecia tudo de antemão- e que, certamente, se veria desamparado em alguns momentos.
O livro- como quase toda a bibliografia do Fresán, exceto ‘Os Jardins de Kensington‘- não está disponível em português. Foi lançado pela primeira vez pela editora Planeta e, mais tarde, relançado pela Anagrama. A minha edição é a segunda pela Anagrama- existe uma mais recente, lançada em 2009. É importante mencionar isso porque cada edição dos livros do argentino é radicalmente diferente: excluem-se, fundem-se e adicionam-se contos, assim como a ordem em que se apresentam.
De qualquer maneira, em qualquer das edições, não acredito que o espírito do livro mude. É claramente o trabalho de um autor menos maduro do que o que temos em La Velocidad de las Cosas ou mesmo em Vidas de Santos, mas isso não o torna um livro pior. É, na verdade, uma excelente demonstração do- autoproclamado- irrealismo lógico do escritor.
FRESAN, Rodrigo. Historia Argentina. Anagrama, 2009. 267 págs.
Oi Luciano!
Parabéns pelos seus artigos sobre Fresán. Gostei e concordo com seus comentários sobre os seus livros. Admiro muito a escrita de Fresán e também desfruto muito do prazer de conhecer seu mundo. No dia 28 de maio terei a ocasião de entrevistá-lo e vendo que você aprecia esse escritor, gostaria de saber se você deseja lhe fazer alguma pergunta. (Creio que você seja o único brasileiro a ter comentado sobre Fresán na internet).
Essa entrevista farei em Lyon, para um evento que se chama Assises Internationales du Roman, em colaboração com o Le Monde. Se te interessar então lançar uma questão, será bem-vindo.
Fernanda
Luci, já tinha vontade de ler Fresán, mas fiquei com mais vontade ainda agora. Historia Argentina parece ser ótimo. Bem meu tipo de livro, talvez esse “irrealismo lógico” seja mais do meu agrado. Parabéns por mais uma resenha boa.
Abraço!