Jonathan Safran Foer nasceu em 1977. Existe, portanto, a impossibilidade histórica de que ele tenha sobrevivido ao Holocausto: a Shoah terminou trinta e dois anos antes que o escritor norte-americano de ascendência judia-polonesa nascesse. Sua obra ‘Tudo Iluminado’, porém, tem ligação direta com esses fatos.

Do mesmo modo, temos o quadrinista Art Spiegelman, autor de Maus– quiçá um dos mais vívidos relatos sobre a tragédia que se abateu sobre a Europa (notadamente sobre os judeus, mas sem poupar poloneses, ciganos, Testemunhas de Jeová, comunistas e homossexuais), nunca esteve lá- mas seu pai sim.

E, conforme prometi, eis a segunda parte do texto sobre literatura e holocausto. Os autores que mencionarei agora- como pode ser visto nos dois primeiros parágrafos- não sentiram na pele os horrores pelos quais Kertesz, Borowski, Levi e Sutzkever passaram, mas carregam, de alguma maneira, resquícios disso.

Via de regra é familiar. Auschwitz talvez seja uma doença hereditária. Tanto em ‘Tudo Iluminado’ quanto em ‘Maus’ parece haver a busca de uma solução para fantasmas que assombravam os autores através daqueles com quem conviveram.

É interessante que as duas obras se aproximam em muitos pontos, apesar de tratarem momentos diversos dentro do mesmo acontecimento histórico. Spiegelman revive as experiências de seu pai nos campos de concentração, enquanto que Safran Foer relata a destruição de Trachimbrod, o shtetl em que sua família vivia. Mas ambos inserem-se no relato, como investigadores da história- em partes perdida, em partes exagerada ou distorcida pela dor.

Ao mesmo tempo em que essas histórias são bastante pessoais, por vezes agindo como um modo de redimir as falhas de caráter daqueles que inspiraram os autores a escrevê-las, elas possuem um distanciamento crítico que é quase impossível para os sobreviventes diretos da tragédia.

Existe, porém, um terceiro ‘tipo’ de literatura do Holocausto, cujo maior representante (em minha opinião) é o caxúbio Günter Grass.

Grass- galardeado com o Nobel de Literatura em 1999- não sofreu durante a Guerra: ele era apenas um jovem membro das SS. Apesar de- até onde se sabe- não ter participado diretamente do genocídio, sua herança é a culpa.

Não é a toa que ele é considerado a ‘consciência histórica alemã’ (apesar de ser caxúbio, Grass sempre escreveu em alemão). Em livros como ‘O Tambor’, ele retrata a loucura da Guerra, a loucura do ódio e da lógica perversa que foi seguida- quase que cegamente- pelo povo alemão.

‘O Tambor’ é, certamente, uma de suas obras primas. Mas, talvez, uma de suas obras que- no que toca o holocausto- seja mais emblemática seja ‘Passos de Caranguejo’. Nesse livro- um de seus mais curtos- Grass conta a história de um jovem neonazista que assassina um judeu- que conhecera na internet e com o qual combinara de se encontrar.

Não é só o arrependimento de Grass que permeia seu livro. Sua voz junta-se a de todos os outros escritores que tocaram o tema, parafraseando o que o monumento erigido em Birkenau, em homenagem aos que morreram lá e em toda a barbárie do Holocausto, servindo como ‘um grito de desespero e advertência para a humanidade’.

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