Padaria é um negócio meio melancólico, se você for parar pra pensar. Bom, pelo menos é na minha vida depois que eu li os textos da Nina Horta. Pra quem não sabe, a autora escreve pra Folha, semanalmente, sobre gastronomia, e tem dois livros publicados com suas crônicas. Há alguns anos-luz atrás, eu li o livro “Não é Sopa” e uma das crônicas me chamou a atenção. E é por causa dela que chegamos a esse momento dramático em que as padarias se tornaram melancólicas e isso virou assunto na minha coluna.

No texto em questão, “Comedores solitários e suas batatas”, ela fala sobre pessoas que comem sozinhas em restaurantes e, por acharem que todos aqueles acompanhados estão lá felizes e reparando na solidão alheia, desviam seus olhares para livros, criando um mundinho particular entre um ser e suas leituras compulsivas. Balcão de temakeria também vira espetáculo pros solitários, que podem assistir o preparo da comida. Enfim, eu, que tomo café da manhã quase todos os dias sozinha e sempre peço dois pães franceses a noite pra levar pra casa (e faço isso só porque toda vez que peço um pão, recebo de brinde um olhar de dó da vendedora, como se eu fosse a pessoa mais solitária da da face da Terra) acabei por me identificar com a crônica dos sozinhos.

A Nina Horta tem essa habilidade e familiaridade com o tema, para mostrar que comida também é estória. Estórias essas muito divertidas e cheias de contraste. Culinária é cultura: Muda de país em país, região em região. São os momentos que você passa com os amigos, família, empregada e muito mais: É profissão de quem serve, quem prepara e quem fabrica. Nossa literatura é cheia de culinária. O Primo Basílio, Os Maias e A Cidade e as Serras são alguns exemplos de livros que destacam o tema em algumas passagens.

E é porque tanta gente já falou de comida que anos-luz depois eu resolvi fazer o mesmo na minha coluna, ou, pelo menos, achei essa justificativa. Talvez um dia eu pudesse escrever meu próprio romance sobre gastronomia ao invés de ficar fazendo crítica sobre o dos outros e tudo começaria com uma padaria. Talvez um espírito influenciado pelos pensamentos do Robert Mckee pudesse me dar força, e tudo poder virar uma boa estória ou um bom roteiro, dependendo do  modo como as coisas seriam contadas. As padarias seriam palco para conflitos e intenso drama psicológico entre um sonho e um café curto.

E isso lembra que eu li uma pesquisa sobre Roland Barthes feita pela UFRJ, da autora Maria Clara da S. R. Carneiro. O texto falava sobre a possível vontade de Barthes em se despedir dos ensaios e críticas, para então fazer um romance. A autora narra um episódio de um colóquio dos anos 70 sobre a importância de Barthes no meio científico. E pra não distanciar a culinária totalmente do assunto, Barthes declarou na ocasião que as disputas entre os participantes em torno dele o fez sentir como se fosse uma “batata frita, cercado de bolhas de óleo fervente que endurecem e douram a batata até torná-la rígida, caramelizada e pronta para ser devorada” . Pra vocês verem como comparações gastronômicas estão presentes até na alta classe de estudiosos.

A autora ainda fala que Barthes fez uma grande maioria de textos sob encomenda ou seminários. Mas algumas de suas obras, descobertas recentemente, mostram o contrário. Ainda ensaios como “Neutro” e “A preparação do Romance”, segundo a autora, mostram o sonho de Barthes em ser um romancista, ou melhor dizendo, esse fantasma que caminhava com ele:

O fantasma ajuda a passar qualquer tempo de vigília ou de insônia; é um romancinho de bolso que a gente leva sempre consigo e que se pode abrir em qualquer lugar que ninguém dê por isso, no trem, no café, esperando um encontro. O sonho me desagrada porque ele nos absorve inteiramente; o sonho é monológico; e o fantasma me agrada porque ele permanece concomitante à consciência da realidade (…) como algo entrança, e é, sem caneta nem papel, um começo de escritura. (BARTHES, 2003: pg.202)

Enfim, é até meio irônico ter sido um  estudioso reconhecido e analisado por tanta gente, grande revolucionário do gênero do ensaio e tal (sem falar que ele era crítico literário também) mas nunca ter  escrito um romance ou pelo menos, algo que fosse reconhecido como tal enquanto ele ainda era vivo.

Enfim, Anos-luz depois de Roland Barthes ter morrido, do meu pão ter sido comprado, de alguns fantasmas terem sido desvendados, do Mckee ter inspirado alguns roteiristas e da Nina Horta ter feito algumas tortas de maçã, eu volto a ter divagações durante os meus cafés na padaria, enquanto eu cismo que o padeiro está me encarando. Tudo isso por causa de um conto.

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