“Uma escrita que sustenta a vivência frágil do indivíduo contra a arbitrariedade bárbara da história.” Assim a Academia Sueca de Literatura justificou, em 2002, a escolha do escritor húngaro Imre Kertész para ser galardoado com o Prêmio Nobel.

Ele escreveu inúmeros livros sobre o Holocausto e sobre o domínio soviético do Leste Europeu, duas situações especialmente presentes em sua vida: de origem judaica, em 1943 foi enviado para Auschwitz e, liberto, permaneceu na Hungria controlada pelos comunistas.

Além de escritor, Kertész pode ser considerado como um dos principais pensadores de nosso tempo. Ele tem, afinal, uma visão privilegiada dos principais acontecimentos históricos do século passado- tendo sobrevivido aos dois totalitarismos mais poderosos já presenciados. Parte disso pode ser conferido no livro A Língua Exilada, um conjunto de ensaios e conferências do escritor, jornalista e tradutor.

Em todos os textos existe a constância da Shoah, de Auschwitz, do totalitarismo. Afirma, afinal, que Auschwitz nunca foi superada- em um sentido metafísico Auschwitz ainda não acabou. Partindo desse pressuposto, ele dá vislumbres do que acredita que é o mundo de hoje e que será do futuro- um mundo sem valores reais, que periga repetir os erros do passado.

Kertész apresenta-nos sempre uma visão ímpar dos acontecimentos: fala-nos de sua relação com a escrita e com o totalitarismo, já que, ao contrário de seus pares, outros escritores que sobreviveram aos campos nazistas, não suicidou-se- e credita isso à intervenção stalinista, que impediu que conhecesse a liberdade de fato.

Compara ainda as duas Europas, em um diário escrito durante uma estada em Viena às portas da reunificação européia e em impressões sobre as cidades alemãs- país que tão bem absorveu sua obra.

Nem só de suas experiências, porém, falam os textos dessa coletânea. Existe espaço para homenagens à alguns de seus conterrâneos, o historiador  Ferénc Fejtö e ao escritor Sándor Marai. O escritor não deixa também de desfiar suas paixões pela música clássica e  pela ópera, e menciona mesmo a pintura e o cinema- chamando Spielberg de Kitsch e louvando Benigni.

A Língua Exilada é um livro de um homem que teve uma vida dura, marcada pela negatividade. Ainda assim, porém, é um livro otimista, esperançoso- mesmo que se trate de uma espécie um tanto ácida de esperança. Essencial para quem busca entender mais a fundo não apenas a obra desse autor, mas também o século XX e esse início de século XXI.

A Língua Exliada

Imre Kertész

Tradução de Paulo Schiller

216 páginas

R$ 49,50

Saiba mais sobre essa e outras obras no site da Companhia das Letras

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