Ratos e homens é um dos mais famosos livros de John Steinbeck. Ele foi publicado em 1937, logo depois de Luta incerta, o polêmico romance que chacoalhou a crítica e a “opinião pública” norte-americana por colocar tão abertamente e de forma tão subversiva o problema dos trabalhadores agrícolas na Califórnia e nos Estados Unidos, tendendo para uma clara simpatia por eles (embora velada quanto a nomes e posicionamentos mais específicos).

Porém outra baliza tem que ser posta ainda para que consigamos situar melhor Ratos e homens no tempo e panoramicamente na obra de Steinbeck: as experiências que Steinbeck vivenciou atuando como repórter, ou seja, a experiência de vagar pelas estradas norte-americanas acompanhando os migrantes e até mesmo acampar com os eles nas hoovervilles, partilhando de seu cotidiano e sua miséria.

Ratos e homens foi temperado na mesma forja vívida e ardente de As vinhas da ira, que alçaria o nome de Steinbeck às luzes da ribalta em 39. O romance em questão, o de 37, é menor, mais simples no que diz respeito à extensão e escopo de abordagem, mas, nem por isso deixa de conseguir sintetizar de forma dramática outras facetas da vida cheia de privações dos trabalhadores explorados no pós-Grande Depressão.

Se As vinhas da ira conseguiu expandir a visão de Steinbeck acerca de uma situação ampla, compartilhada por uma porção de pessoas, Ratos e homens se restringe a explorar mais diretamente a história de uma dupla, George e Lennie, esse, um “gigante” com problemas mentais, e aquele um trabalhador esperto e extremamente versátil na lida com as situações do dia-a-dia.

A inseparável dupla vive dos bicos e trabalhos que encontram aqui e ali em suas peregrinações pela porção agrícola dos Estados Unidos, procurando a partir dessa dura vivência juntar o dinheiro que lhes servirá de passaporte para outra realidade, em que serão donos da própria terra e não precisarão se submeter a exploração de outrem, onde, segundo as palavras dos próprios personagens, poderão “trabalhar no que é seu.”

Os sonhos dos dois alimentam suas áridas vidas, marcadas pela dura lida do trabalho e as poucas possibilidades de ascensão, dilapidada ainda pela arrogância dos patrões, baseada na desconfiança e no próprio preconceito calcado na pseudo-superioridade que eles acreditavam ter.

O título vem bem a calhar para a situação, já que as condições insalubres a que são submetidos faz com que esses trabalhadores se assemelhem a ratos, não no sentido de covardia, mas sim no trato que os demais lhes despendem. A questão da classe, delineada pela arrogância e presunção dos abastados, e humildade e virtuosidade dos explorados, intensifica esse sentimento de que a injustiça está disseminada ao longo da sociedade.

Uma realidade acabrunhante, que deixa poucas saídas aos trabalhadores, promovendo todo o tipo de saques a eles, privando-os de suas condições básicas de subsistência, mantendo a chance de libertação virtualmente atingível, mas realmente longínqua, de modo que esse círculo vicioso se repita indefinidamente.

Lennie, com suas limitações, sofre essa situação de forma peculiar, pois a corda bamba pela qual transitam todos os trabalhadores, é ainda mais frágil para ele, que costuma ser motivo de interesse e de chacota dos demais, o que acaba, em muitos casos, levando a desfechos trágicos.

A cena final, que me abstenho de comentar aqui para atiçar a curiosidade de vocês, leitores, reverbera longamente, tanto no livro em questão como na obra de Steinbeck; tanto na realidade dos Estados Unidos (agravada pela Grande Depressão) como na do capitalismo de forma geral, mostrando que o final feliz é um luxo do qual nem todos podem desfrutar.