No Dia de Finados do ano de 1989 dois viúvos encontram-se em um cemitério. Um acaso pequeno, se é que isso pode ser considerado como obra da sorte- e não pura lógica. Ele chamava-se Alexander Resche e ela Alexandra Piatkowska. Ele era historiador de arte e ela restauradora. Ele alemão e ela polonesa, numa Europa recém reunificada e ainda cheia de cicatrizes- em especial no que concerne a relação entre esses dois povos.

Mais poderosa que qualquer lógica ou acaso foi a pena do escritor alemão- natural da cidade polonesa de Gdańsk- Günter Grass, que uniu o casal já velho e cansado como se fossem dois jovens e usou-os, em sua novela Maus Presságios, para tocar uma das mais profundas feridas que a Segunda Guerra Mundial causou.

Como era de se esperar o casal- quiçá não tão improvável como parece a primeira vista- se junta e inicia um relacionamento amoroso. Enquanto constrói-se a relação dos dois, em que- apesar de estarem de certa forma sempre presentes- os mortos e os filhos não tem real poder de interferir, amadurece também a idéia da Sociedade Germano-Polonesa de Cemitérios, que mais tarde torna-se Germano-Polonesa-Lituana.

Para entender a idéia, é preciso primeiro entender o local onde a história se passa: Gdańsk e Wilno. Acontece que essas duas cidades- que hoje pertencem respectivamente à Polônia e à Lituânia- já foram parte do território de vários países (como muitas outras da Europa Central e do Leste). E suas populações eram formadas por várias etnias até a Segunda Guerra Mundial, quando aqueles considerados estrangeiros pelos governos que passaram controlar esses territórios foram expulsos.

É a partir dos desejos desses expulsos que eles- ambos desterrados- criam a idéia para essa Sociedade: se não em vida, ao menos em morte podem ser repatriados, pelo menos a eternidade podem passar no mesmo lugar onde nasceram.

Enquanto o romance dos dois é sólido e parece inquebrantável a idéia da Sociedade de Cemitérios, que visa não só devolver os mortos aos seus lugares como também curar a ferida entre Oriente e Ocidente, entre as várias nações que foram mutiladas e reconstruídas durante o século XX, parece progredir bem mas, o tempo todo temos o coaxar de sapos (considerados, nesses países, como símbolos de mau agouro) a nos lembrar que, por algum motivo isso não tem como dar certo.

O livro não é um dos mais famosos de Grass, mas eu o considero um dos mais interessantes. E, em 2005, foi transformado em filme pelo diretor alemão Robert Glinski- uma adaptação bastante digna do espírito sombrio e tragicômico do livro.

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