O mito do Minotauro é uma das histórias mais famosas da antiguidade clássica, tendo transformado-se em parte do inconsciente coletivo humano. Por isso não é de se espantar que tenha sido escrita e reescrita inúmeras vezes, inclusive por autores tão famosos quanto Júlio Cortázar (que o fez em Os Reis).

Um autor menos conhecido, mas bastante importante e profundo, que enveredou pela mesma trilha foi o russo Victor Pelevin. Na Rússia ele é bastante famoso- e polêmico, tendo sido acusado de indecente e anti-nacional pelos grupos de extrema direita do país- mas por aqui sua circulação é um pouco restrita fora dos círculos acadêmicos.

Em O Elmo do Horror ele reescreve esse mito consagrado de um modo um tanto quanto perturbador. Existe um labirinto, existe um minotauro, e existe um Teseu. As semelhanças diretas param por aqui. O resto é metáfora.

Oito pessoas despertam fechadas em quartos, sem nenhum contato com o mundo exterior, exceto por computadores. Que, descobrem logo, também não se ligam ao mundo exterior, apesar de suas telas terem a aparência dos chats do jornal britânico The Guardian, apenas a uma rede interna. Cada um deles recebeu um nome que pode condizer a suas idéias, ou idéias que podem condizer com os nomes.

Uma dessas pessoas, de nome Ariadna, tem sonhos em que vê um minotauro aparentemente bastante confuso e uma dupla de anões que ou segue o minotauro eu se empenha em explanar a ela o funcionamento de um dispositivo chamado ‘Elmo do Horror’- que pode ser um simulacro da mente e da alma, ou alguma coisa muito pior. E é através do chat que ela conta isso para os outros- aliás, é apenas através do chat que o livro é construído, só sabemos o que eles digitam uns para os outros.

Em um dado momento lhes é permitido sair dos quartos e cada um deles tem algo diferente a esperar-lhes, algo que corresponde às suas personalidades ou seus papéis dentro da trama. Ariadna tem um quarto onde pode dormir, Monstradamus tem um beco sem saída, Romeo-y-Cohiba tem um labirinto que parece ser o mesmo de IsoldA, Ugli666 uma catedral, Organizm (-: entra em um protetor de tela do Windows (aquele do labirinto), Nutscracker uma sala de edição de vídeo e Sartrik uma cozinha onde há uma geladeira com cerveja.

Acho que com isso já fica patente o grau de loucura do livro. Ele é uma viagem psicodélica e niilista pelos cantos mais obscuros da mente do homem pós-moderno, bem ao estilo de Pelevin. Mas falar apenas isso seria simplificar demais o que escritor russo faz. Ele desconstrói e recria, não só nossa mitologia, mas também nossa psiquê- deixando-a perturbadoramente igual ao que era antes.

O Elmo do Horror

de Victor Pelevin,

tradução de Bruno Gomide.

224 páginas

R$ 48,00

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