Existe muito escrito a respeito do sofrimento e mortes dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Desde testemunhos em primeira mão até ficções das mais fantasiosas. Peças, poemas, ensaios Há, porém, outro lado para esse drama: os judeus que, ao invés de irem para os campos de extermínio foram ajudados por populações que os alemães consideravam como ‘arianas’ e, por isso, sobreviveram. Isso aconteceu em todas as regiões ocupadas, onde o gesto, além de seu óbvio ensejo humanitário, adquiria contornos de desobediência civil.

Apesar  de muitos terem sobrevivido e de não terem sido submetidos aos sofrimentos e privações que aqueles que foram pegos tiveram de passar, os judeus que foram escondidos passaram por um outro tipo de tormento, mais lento, mais sutil. Sofriam com a espera e com o medo, e porque não, com a culpa de saber que seus pares transformavam-se em fumaça.

É justamente sobre isso que trata o livro Comédia em tom menor, do judeu alemão radicado na Holanda, Hans Keilson. Ele mesmo, nascido em 1909 e falecido esse ano, aos 101 anos, passou por isso: só sobreviveu a guerra por ter sido escondido por um casal de holandeses membros da resistência, Leo e Suus- aos quais dedicou o livro, publicado originalmente em 1947.

Comédia em tom menor, no entanto, não é um relato autobiográfico. O livro conta a história do judeu Nico, que fica escondido na casa do jovem casal Wim e Marie. De modo inesperado o casal passa a conviver com um estranho, que surge em suas vidas como um segredo- caso descoberto por autoridades leais aos alemães, abrigar o judeu lhes custaria bastante caro.

A convivência não se mostra difícil, e a ligação entre o casal e o refugiado surge de modo natural. Entre as agonia da espera e pequenas alegria cotidianas, a vida desenrola-se lentamente. Confiança e afeição nascem na situação inusitada.

Acostumados com tudo isso, esperam pelo fim da guerra. Porém um acontecimento totalmente inesperado sobrevém, e tudo muda mais uma vez: Nico adoece e morre. A partir dos esforços para se livrar do cadáver, mas ainda pensando no amigo que Nico se tornara, Wim e Marie encontram-se em uma situação tão perigosa quanto ridícula.

Hans Keilson é dono de um estilo sóbrio, de frases curtas. Sua prosa apoia-se mais nas ideias que ficam suspensas do que nas que são efetivamente ditas, e, apesar do tema penoso, existe uma leveza incrível. Existe espaço para o humor e a ironia, mesmo que um tanto quanto ácidos e pessimistas- é quase como se, incapaz de fazer qualquer outra coisa, o autor desse risada do sofrimento pelo qual passou.

Comédia em tom menor

de Hans Keilson, tradução de Luiz Antônio de Araújo

120 páginas

R$ 34,00

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