Sou um grande fã da saga do garoto-gênio-criminoso irlandês, então resolvi resenhar a história. Contudo, a esse intento se sobrepõe um problema (mais meu do que de qualquer um) que é a minha impressão sobre a perspectiva da obra, portanto, optei por fracionar minhas considerações em duas resenhas: a primeira se refere aos quatro primeiros volumes (O menino prodígio do crime, Uma aventura no Ártico, O código eterno e A vingança de Opala); e a segunda se refere ao quinto e sexto volumes (A colônia Perdida e O paradoxo do tempo). Após esses ainda haverá uma resenha mais pormenorizada do último livro da série lançado aqui no Brasil recentemente pela Editora Record, O complexo de Atlântida.

A Irlanda sempre foi um país que me fascinou, antes mesmo de eu saber que o país é terra natal de grandes nomes da literatura mundial, como James Joyce e Samuel Beckett; logo, grande foi a minha curiosidade quando soube que a trama de Artemis Fowl – O menino prodígio do crime se passava em Dublin. A capa era bem chamativa e as páginas encerravam uma aventura que eu viria a gostar muito. Resultado: devorei o livro em poucos dias e virei um fã do geniozinho irlandês.

Artemis Fowl é um menino prodígio que resolve direcionar sua genialidade não para ser um conhecido físico ou matemático, mas sim para fins escusos, no caso dele, conseguir ouro. O lema da família, Aurum potesta est (Ouro é Poder), influencia a mente do jovem Fowl e canaliza suas ações para conseguir encontrar o tão almejado ouro das fadas.

A fluidez da trama deixa a história agradabilíssima, muito dinâmica e repleta de tecnologia. O povo das fadas, ou O Povo, como são chamados, encontram-se sob uma nova perspectiva, eles mesclam as características clássicas da magia com elementos ultra modernos, high tech. Dessa mescla surgem novos tipos de fadas, trolls, centauros, duendes, diabretes e goblins, eles possuem a mágica como recurso, mas a tecnologia se encaixa perfeitamente as suas necessidades e especificidades, de modo que a união de magia e tecnologia os deixe tão a frente dos humanos, o Povo da Lama, que eles vivem escondidos sob nossos pés, nas entranhas do planeta, desde tempos imemoráveis. Eoin Colfer conseguiu dotar seu universo de extrema coerência externa, amarrando as pontas de sua história, bem como dando explicação e justificações plausíveis a todos os elementos presentes em suas aventuras, de modo que seja “possível” a existência de criaturas mágicas e ainda não sabermos que elas existem.

Com personagens muito carismáticos, como o letal guarda-costas Butler, o ranzinza comandante Raiz, o sarcástico centauro Potrus ou a valente agente elfa Holly Short. Artemis consegue arquitetar um plano complexo para detectar e capturar uma dessas criaturas mágicas e usá-la como refém para o pagamento de um resgate. Mesmo não dispondo de uma tecnologia tão avançada como a do Povo, ele se supera a cada passo, deixando a história com grandes reviravoltas e situações-limite geniais.

Para um livro despretensioso, cujo objetivo não era buscar grandes e profundas reflexões, Artemis Fowl é uma ótima opção de divertimento. Ele empreende uma nova visão sobre a magia e as criaturas clássicas das histórias de fantasia e magia, mostrando-lhes um lado menos politicamente correto e bonito, e bem mais ganancioso, não-perfeito, não só munido de bondade, mas temperado pela necessidade de sobrevivência e manutenção da vida no subterrâneo. Colfer os despe daquelas vestes inocentemente cândidas, emprestando-lhes sentimentos humanos, não necessariamente bons, mas muitíssimo divertidos, quase uma subversão daquela visão maniqueísta sobre as fadas e demais criaturas mágicas.

Os volumes dois e três (Uma aventura no Ártico e O código eterno) mantém esse brilhantismo, sendo que, na opinião desse que vos escreve, o terceiro livro da série é onde Colfer atinge o ápice da capacidade narrativa, é o livro em que ele mais tem domínio sobre as características dos personagens, é onde ele amplia o ambiente ficcional sustentavelmente dando espaço para a introdução de novos personagens e novas situações envolvendo os já apresentados. Os três primeiros livros, na minha opinião, pareciam já estar traçados em linhas gerais na mente do autor, seu esqueleto já estava encaixado, só faltava aquele estofo, a acomodação mais definitiva da história, aquele tempero de humor que Colfer sabe tão bem fazer.

Seja pela visão de Colfer sobre o mundo mágico, seja pela narrativa afiada e bem conduzida do livro, seja pelas situações memoráveis e geniais em que Artemis se coloca e se sobressai, os três primeiros volumes de Artemis Fowl são uma das sagas que mais me agradaram enquanto literatura infanto-juvenil.

A partir do livro quatro (A vingança de Opala), embora discretamente, começa a se operar uma mudança no jovem Artemis: sua índole de criminoso, que nunca comportou assassinatos ou mortes, mas que tolerou o sequestro de uma certa elfa; está passando por uma série de mudanças, que se acentuarão no próximo volume. O quarto livro ainda é muito bom, mas parece que é uma continuação que ainda não havia sido arquitetada na mente do autor, não está tão fortemente unida às outras três. Um espaço de tempo se interpôs entre o terceiro e o quarto livros, e o que fluía naturalmente nas primeiras obras, começou a soar artificial na quarta, embora, volto a frisar, de maneira muito suave.

A genialidade de Artemis permanece inabalada em todas as obras, mas o que começa a mudar é justamente a canalização dessa inteligência. O espírito ladino vai aos poucos dando lugar ao coração mais mole, com mais escrúpulos, característica que irá influir de maneira decisiva sobre os próximos livros.

Amanhã tem a segunda parte dessa resenha, com o texto sobre os volume cinco e seis, A colônia perdida e O paradoxo do tempo, respectivamente.

Essa resenha foi publicada originalmente no dia 1º de abril de 2010, no Artilharia Cultural.

A título de informação, insiro abaixo as informações referentes aos volumes 2, 3 e 4 da saga de Artemis Fowl, discutidos nesse texto:

Artemis Fowl: Uma aventura no Ártico
Ano de publicação: 2002
Tradução de Alves Calado
320 páginas
Preço Sugerido: R$ 32,90

Artemis Fowl e o código eterno
Ano de publicação: 2003
Tradução de Alves Calado
352 páginas
Preço Sugerido: R$ 37,90

Artemis Fowl e a vingança de Opala
Ano de publicação: 2006
Tradução de Alves Calado
368 páginas
Preço Sugerido: R$ 37,90