Eu já li os argumentos mais absurdos a respeito do que nos separa dos outros animais: a razão, uma alma, a moral, nossa capacidade para o preconceito e para a violência, etc. Cada um deles é completamente válido e completamente imbecil ao mesmo tempo, dependendo do ponto de vista.
Um argumento, porém, que me cativou imensamente foi o do romeno Emil Cioran: o homem é o único animal que quer dormir e não pode. Pode soar um tanto dramático, mas é mais ou menos em torno dessa lógica da insônia que gira seu livro Nos cumes do desespero, publicado pela editora Hedra em tradução de Fernando Klabin a partir do original romeno (um dos poucos livros em romeno que o autor escreveu; o francês predomina em sua obra).
Mas a insônia não é apenas a base para nos definir enquanto humanos – essa nem é uma das questões essenciais do livro. Ela é, na verdade, o caminho para um lirismo exacerbado e trágico, em que a consciência da morte é uma constante. Ao manter-se acordado, sofre-se e reflete-se a respeito de um número de questões – culminando na ideia de que cada segundo é um passo em direção ao fim absoluto e sendo, por isso, impossível escapar à tristeza e ao desespero.
Nos cumes do desespero foi o primeiro livro escrito por Cioran, quando tinha vinte e dois anos. Foi pensado originalmente como o longo testamento de um suicida – que acabou não se matando justamente por escrevê-lo.
A obra assume contornos claramente comparáveis à Nietzsche e Schopenhauer ao colocar o lirismo no ponto central de um niilismo um tanto quanto individualista. E, acredito ainda, que em muitos pontos pode-se comparar algumas das ideias de Cioran às do franco-marroquino Albert Camus – basicamente a do absurdo da existência humana, da inutilidade de todo e qualquer esforço e a centralidade do suicídio como problema filosófico. Suas conclusões, porém, são radicalmente diferentes.
Outro ponto a se ressaltar é que apesar de ser escrito em uma época em que o autor nutria simpatias pelos diversos fascismos que proliferavam na Europa, o livro não vai de encontro aos programas dessas ideologias – apenas, talvez, se considerarmos as pulsões de morte presentes tanto nos autoritarismos quanto no livro de Cioran. É uma obra essencialmente individualista, mesmo que trate temas universais. Ou, talvez, justamente por isso.
Nos cumes do desespero
Tradução de Fernando Klabin
154 páginas
Preço Sugerido: R$ 38,00
Saiba mais sobre essa e outras obras no site da Editora Hedra
Interessante! Pretendo lê-lo. Vou começar por “Emil Cioran e a Filosofia Negativa”, uma espécie de apresentação a iniciantes na filosofia de Cioran, feito por alunos de diversas universidades do Brasil. Em seguida, pretendo ir para “Nos cumes do desespero”. Cioran me desperta, inicialmente, um fascínio; Espero abstarir muito da leitura. Obrigado pelo post!
Abraços!
Gosto de ler no sentido contrário. Primeiro os originais do autor para apreciá-los sem estar influenciada por quem escreve acerca da obra, logo esses, de modo a ver no que os enfoques coincidem, o que leva à reflexão, etc.